Com meia Quaresma andada, soam os alarmes e um sério aviso a toda a população: se não vos converterdes, morrereis todos do mesmo modo (Lc 13,5). A paciência de Deus não tem limites! É verdade. Mas têm limites os tempos e as oportunidades da minha e da nossa conversão! Por isso, aproveitemos o tempo duplamente favorável, da Quaresma e do processo sinodal, para uma conversão pessoal e para uma renovação pastoral inadiável já, a partir de hoje e a partir daqui, para que nos tornemos a boa árvore que dá bons frutos de vida nova. Nesta Eucaristia, deixemo-nos mimar, cavar e adubar, pela Palavra de Deus, aproveitando este tempo rico de salvação.

No caminho para a Cruz, no meio da escuridão do medo que assaltava o coração dos discípulos, Jesus acende-lhes uma luz de esperança e de confiança no futuro. No alto de um monte, enquanto rezava, alterou-Se o aspeto do seu rosto. Na oração, o Senhor transforma sempre a nossa vida, transforma o nosso rosto desfigurado pelo medo e faz-nos ver a realidade com olhos de esperança. Na Transfiguração de Jesus, antecipa-se, por momentos, a vitória da Páscoa. E ficamos todos a saber: a última palavra não é o mal, não é o sofrimento, não é a morte. A última palavra é a do amor. A última palavra é a da Ressurreição. É este o anúncio que ressoa em cada domingo. Hoje também.

Este é o tempo favorável. Desde a passada Quarta-feira de Cinzas, ressoa nos nossos corações este fortíssimo apelo: aproveitemos o tempo favorável: o tempo favorável do nosso caminho quaresmal e o tempo favorável do percurso sinodal, para ampliarmos a escuta: a escuta silenciosa de Deus na sua Palavra, a escuta recíproca entre nós, a escuta humilde da realidade, que nos desafia a discernir os atalhos a evitar e o Caminho a seguir. Para isso, somos impelidos, tal como Jesus, pelo Espírito Santo, a entrar no deserto da solidão, do silêncio, da oração, da escuta e da purificação, para prosseguirmos juntos por um Caminho novo.

Eis o tempo favorável: o tempo santo da Quaresma, que vivemos na estação florida desta Primavera que já se anuncia e no contexto esperançoso do fim da pandemia. Eis o tempo favorável do processo sinodal, que queremos agora intensificar, percorrendo juntos esta caminhada de renovação pessoal e pastoral. A Quaresma, que hoje se inicia, é um tempo favorável, que nos conduzirá à Páscoa de Jesus Cristo morto e ressuscitado. A Páscoa, a vida nova, a transformação, é a meta. Só com o olhar fixo em Jesus Cristo, qual grão de trigo semeado na terra, para frutificar ressuscitado (cf. Heb 12, 2), é que podemos acolher a exortação do Apóstolo, que o Papa toma como tema da Mensagem da Quaresma: «Não nos cansemos de fazer o bem» (Gl 6, 9). Com o coração unido especialmente aos irmãos da Ucrânia, como nos pediu o Papa, vivamos este dia de oração e de jejum, como “tempo favorável que nos deu a Divindade, para que tenham remédio as culpas da humanidade”.

Olhos, coração e boca. Olhar, viver e falar. Três dimensões da nossa vida que estão hoje sob o juízo da Palavra de Deus. No centro, é claro, está o coração. O coração fala ao coração. O coração de Deus ecoa na Palavra e ressoa em nossos corações. Quando nos fala, é o coração de Deus que transborda! Ponhamo-nos à escuta, deixando vibrar nas cordas do coração o timbre desta Palavra, para que ela possa frutificar na nossa vida. No silêncio do coração, acolhamos a Palavra do Amor e o fruto do seu amor, na entrega de Jesus ao Pai por nós.

Jesus sobe a parada e a escalada do amor, com este desafio: Amai os vossos inimigos! É bem alta a medida da vida cristã comum, que todo o discípulo é chamado a viver. Trata-se agora de amar não apenas quem é diferente de nós, mas também de amar quem nos ofende ou é contra nós. Perante a loucura deste amor sem medida, deste perdão gratuito, desta dádiva sem esperar recompensa, sentimo-nos pequeninos e suplicamos a Jesus que nos dê o que nos pede. Na medida em que nos deixarmos amar por Ele é que poderemos amar como Ele. Invoquemos e deixemo-nos transformar pela sua misericórdia e pelo Seu perdão.

Felizes! Felizes. Felizes. Felizes. É a palavra com que Jesus começa a sua pregação. E é o refrão que Ele repete hoje, por 4 vezes, como se quisesse, antes de mais nada, fixar no nosso coração uma mensagem basilar: se estás com Jesus, se gostas de escutar a sua Palavra, se procuras vivê-la cada dia, és feliz. Não serás feliz, mas és feliz! Aqui está a primeira realidade da vida cristã. Somos, em Jesus Cristo, filhos amados e esperados do Pai. Eis a razão da nossa alegria, uma alegria que nada e ninguém poderá tirar-nos. Aqui e agora, somos felizes porque convidados para o banquete do Reino. Vistamos o traje de festa, o coração simples e pobre, e confessemos ao Senhor a tristeza da nossa pouca alegria!

Três grandes pecadores, à cabeça da missão: Isaías, o homem de lábios impuros, a quem Deus chama e envia; Paulo, o menor dos apóstolos por ter sido perseguidor de cristãos, que a graça de Deus transforma em arauto do Evangelho; e Pedro, o pecador convertido por Jesus em pescador de homens. “Jesus faz milagres também com o nosso pecado, com aquilo que somos, com o nosso nada, com a nossa miséria” (Papa Francisco, O nome de Deus é misericórdia, 89-90). Diante do Senhor, reconheçamos humildemente, como Isaías, como Paulo, como Pedro, a nossa pequenez e o nosso pecado, para que o Senhor nos tome, transforme e envie em missão.

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