“Durante quarenta dias no deserto, Jesus não comeu nada
e, passado esse tempo, sentiu fome!” (Lc4, 2)
E aqui está um bom princípio, a ter em conta, antes de qualquer obra de misericórdia: escutar a Palavra de Deus, dar primazia à escuta orante, obediente e efetiva da Palavra de Deus, porque é a Palavra que nos abre ao conhecimento do Deus vivo; é Ela que gera em nós o amor por Deus e por cumprir a Sua vontade. «Basta percorrer as Escrituras para descobrir como o Pai bom quer escutar o clamor dos pobres» (EG 187). O Deus que a Palavra nos revela “ouve a nossa voz, vê a nossa miséria, o nosso sofrimento e a nossa opressão” (Dt.26,4-10). É, precisamente em resposta a esta Palavra escutada, que vou ao encontro do outro, que grita, por mim, na sua miséria. Na verdade, quando uma pessoa necessitada clama a Deus, Ele quer responder-lhe através de mim!
2. Nesta primeira semana da quaresma, Jesus inspira as nossas palavras e obras. Ele sabe o que é ter fome da Palavra e fome do Pão. Ele identifica-se, quer com os que passam fome, quer com os que dão de comer. Com o seu jejum, Jesus ensina-me que não posso sentir a fome do outro como minha, se não sinto, na própria pele, a minha fome. Isto implica, na prática, a escolha de uma vida mais sóbria, mais austera, mais simples, valorizando a pequena migalha, para apreciar melhor o pão, alegrando-se com pouco (LS 223) pois, até no consumo dos bens, «quanto menos, tanto mais» (cf. LS 2232), quanto menos se consome, tanto mais se valoriza o que se come! Como poderá interessar-nos dar de comer a quem tem fome, se a nossa obsessão é andar atrás da última novidade, para comprar e possuir? Num estilo de vida egoísta, há ainda um vício que não nos ajuda nada a dar: o de usar e deitar fora; é a cultura do descarte, em que as pessoas e as coisas rapidamente se tornam «lixo» (cf. LS 22). Tudo isto supõe um caminho de transformação, a opção por um estilo de vida, que sai de si, para se deter no outro!
3. Nesta primeira semana da quaresma, saibamos «jejuar», para abrir em nós o apetite, que nos leve a «dar de comer a quem tem fome». E façamo-lo, em primeiro lugar, com a consciência de que ao dar de comer a quem tem fome não estamos a dar generosamente o que é nosso, mas a devolver aos pobres o que lhes pertence, a pagar-lhes uma dívida de justiça. Em segundo lugar, este dar só é obra de misericórdia, quando não é mera sobra, quando é um gesto perpassado pelo amor, pela ternura, pela amizade, pela proximidade, pela atenção, pela generosidade de coração. E, por último, «quem pratica esta obra de misericórdia faça-o com alegria» (Rm.12.8), porque «Deus ama quem dá com alegria» (cf. II Cor.9,7). Quando dou com alegria, converto-me num reflexo humano do Seu amor divino, entrego-me como instrumento da Sua feliz generosidade e consolação, torno-me canal da misericórdia divina, mergulho nesse rio de compaixão amorosa.
4. Porque estamos conscientes de que é Deus que opera em nós o querer e o agir, não deixemos de rezar esta semana, antes e depois das refeições. Este momento breve “recorda-nos que a nossa vida depende de Deus, fortalece o nosso sentido de gratidão pelos dons da criação, dá graças por aqueles que com o seu trabalho fornecem estes bens, e reforça a solidariedade com os mais necessitados” (LS 227). Se não for mais rezemos assim:
“Senhor, que hoje nos dais o pão de cada dia,
dai-nos fome de justiça,
para dar de comer a quem tem fome”.
