Liturgia e Homilia na Festa em honra de Nossa Senhora da Hora 2022
Destaque

Nesta quinta-feira, que outrora foi também da Ascensão, reunimo-nos, com Maria e como Maria, em Cenáculo, isto é, no lugar da última Ceia, para celebrarmos juntos a memória viva da entrega do Senhor por nós. Em cada Eucaristia, perpetua-Se esta entrega do Senhor, que reuniu os seus discípulos, à volta da mesa, precisamente quando o que parecia estar à sua frente era só violência e destruição. A Sua pequena e frágil comunidade estava à beira do colapso e todos os sonhos para o futuro pareciam ter sido destruídos. Naquele momento tão sombrio, Jesus realizou este ato de esperança generosa, entregando-se aos seus amigos e a nós. Cada Eucaristia proclama a nossa esperança de que a violência, a destruição e a morte não terão a última palavra. Por isso, entre a Ressurreição e o Pentecostes, desde a primeira hora, os discípulos, que estavam traumatizados pela violência da Cruz, voltam ao mesmo lugar, sentam-se à mesa da Paz. Ali estão, com Maria, que se junta a eles, para que não se sintam órfãos, para rezar com eles e os preparar para receberem o Espírito Santo, que é precisamente o Espírito da Paz.  Nós reunimo-nos, em Eucaristia, neste tempo de guerra, neste dia, o quadragésimo, entre a Páscoa e o Pentecostes, sob o olhar atento de Maria, Nossa Senhora da Hora, para que Ela interceda por nós e nos alcance o dom da Paz.

Homilia na Festa em honra de Nossa Senhora da Hora 2022

 

1. Começo com uma breve partilha da sabedoria dos pequeninos. Há algum tempo, celebrávamos o IV Domingo da Quaresma, cujo Evangelho nos contava a bem conhecida parábola do pai misericordioso, que tinha dois filhos: o mais novo, o pródigo, do qual conhecemos a desventura da partida e o regresso a casa, e o mais velho, que não queria entrar na festa do Pai, nem fazer as pazes com o seu irmão. Eu perguntava então nesse dia às crianças: como poderá o Pai convencer o filho mais velho a entrar em casa e participar na Festa da Reconciliação com o irmão mais novo? Fez-se algum silêncio, deram-se algumas pistas, até que uma criança, do meio da assembleia, respondeu apontando esta solução: «o pai que chame a mãe».

 

2. Aquela criança intuiu, com infante sabedoria, o papel peculiar e decisivo da mãe, na paz e na reconciliação, entre pais e filhos, entre irmãos desavindos. Esta criança intuiu a força revolucionária da ternura de uma mãe, que é capaz de demover mesmo os corações mais rígidos. Esta criança intuiu o papel da mãe, de todas as mães, na obra da Paz. Onde estiver uma mãe, há unidade; há sentido de pertença: pertença de filhos e, portanto, consciência e experiência de sermos todos irmãos.Na verdade, se a consciência de sermos filhos de um único Deus Pai, reforça em nós o sentido de uma fraternidade universal, quanto mais a consciência de sermos todos filhos de uma mesma Mãe, não nos há de tornar ainda mais irmãos e, por isso, mais dispostos a contruir a Paz?!

 

3. Na verdade, onde há uma mãe, há ternura. E Maria, com a sua maternidade, mostra-nos que a humildade e a ternura não são virtudes dos fracos, mas dos fortes; ensina-nos que não há necessidade de maltratar os outros para nos sentirmos importantes (EG 288). E o santo povo fiel de Deus, desde sempre, reconheceu Maria e A aclamou como Rainha da Paz. Por isso, no meio desta guerra entre irmãos russos e ucranianos, de muitos lados se fez ouvir o mesmo pedido daquela criança, durante a homilia: por fav0r, chamem pela Mãe. E o Papa Francisco resolveu, em resposta a tal pedido, consagrar a Rússia, a Ucrânia e o mundo inteiro ao Imaculado Coração de Maria. Não por acaso, este título mariano de Rainha da Paz entrou na ladainha lauretana a Nossa Senhora, a pedido de Bento XV, em 1917, em plena grande Guerra, e curiosamente no mesmo ano das aparições em Fátima.  

 

4. Neste tempo, em que ansiamos tanto pela Paz, sobretudo na Ucrânia, mas também em tantas partes do mundo, a começar pelo nosso mais pequeno mundo familiar, meditemos, mais demoradamente, nesta bela invocação de Maria, Rainha da Paz. Em que sentido Maria é a Rainha da Paz? Dito de modo simples, ela é a Rainha da Paz, na medida em que Maria coopera, na reconciliação ou na paz entre os homens, realizada em Jesus Cristo. Se percorrermos o seu caminho de vida, vemos que Maria é Rainha da Paz, em todos os tempos e para todos os tempos:

 

4.1. Desde a sua Imaculada Conceição, diríamos que a Paz se apoderou de Maria. Nela, o pecado, o principal agente ou vírus corrosivo da paz, não entrou, nem prosperou. O seu coração imaculado não conheceu qualquer espécie de desordem, de cedência à violência, à maldade, ao ressentimento.

 

4.2. E, por isso vemos Maria, no mistério da Encarnação do Filho de Deus, tornar-se a terra fértil, onde floresceram “a justiça e a paz para sempre” [Sal.72 (71) 7]). No seu seio virginal, fecundado pelo Espírito Santo, Maria dá à luz o Príncipe da Paz (Is 9,6; Ef 2,14). Maria dá à luz Aquele que nos trouxe a Paz, reconciliando consigo o Céu e a Terra, Deus e a Humanidade.

 

4.3. Na vida pública de Jesus, recordamos Maria, discípula primeira do Senhor, como modelo daquela escuta da Palavra, daquela fidelidade à vontade de Deus, que nos faz irmãos: “minha mãe, meus irmãos, são aqueles que ouvem a palavra de Deus e põem prática” (Lc 8,19-21), são “os que fazem a vontade de meu Pai” (Mt 12,46-50), disse Jesus. Esta nova fraternidade, não é consanguínea, não nasce da carne; é fruto do Espírito, mas é a primeira condição para gerar homens e mulheres de Paz.

4.4. Obviamente, não podemos deixar de recordar, nesta Festa da Senhora da Hora, a ação de Maria, nas bodas de Caná (cf. Jo 2,1-11). Ali Maria intercede pelos noivos, por uma nova família, numa hora de crise, evitando a vergonha, a confusão e a discórdia, como sempre acontece quando em casa falta algo de essencial para viver: “casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”. E – poderíamos dizer – “casa onde não há o vinho novo do amor, sobra a discórdia e divisão”. Maria, na sua discreta mediação junto de Jesus, faz o que sempre faz uma mãe: «mexe os cordelinhos», «desata os nós», faz tudo o que pode, para que reine a alegria do amor e a harmonia da Paz, onde ameaça espalhar-se o vírus da desordem e da confusão. Que falta nos fazem mães assim, capazes de tecer fios de comunhão, que contrastem os numerosos fios de arame farpado das divisões.

 

4.5. Mas avancemos para a Hora grande de Jesus, que é a Hora da Paixão do Senhor. E ali, Maria é a Mãe, firme e fiel, é a Mulher, que está de pé, junto à Cruz, na Hora em que o Seu Filho, vítima de toda a violência, alcança, graças ao seu Sangue derramado, a Paz a todo o Universo. Aí, na Hora da Cruz, Maria é atravessada por uma tal espada da dor. Mas, à imagem do Filho, Maria reage ao mal com o silêncio do bem, não com o ruído das palavras ofensivas; e fá-lo não por consentimento, mas por indulgência. Maria não puxa da espada da violência, para defender o próprio Filho (cf. Lc 22,38.49-51), pois “aqueles que amam verdadeiramente a paz também amam os inimigos da paz” (Santo Agostinho).As mães, mesmo nos momentos piores, sabem testemunhar a ternura, a força da esperança.

 

4.6. Na última etapa da sua vida terrena, entre a Páscoa de Jesus e o Pentecostes, a Santíssima Virgem é também a Rainha da Paz. Unida em oração aos apóstolos, liberta-os da orfandade, mantém-nos unidos e prepara-os para receberem o dom do Espírito Santo, o Espírito da Paz. É o Espírito da Paz, que reúne os dispersos, faz a unidade das pessoas na diversidade de povos e línguas, tece a comunhão nas diferenças culturais, a paz e a harmonia entre todos.  Assim, na Ascensão e no Pentecostes, Maria une-se à Igreja inteira, em oração, para que o Espírito de Cristo Ressuscitado infunda a Paz no coração, a harmonia em vez da divisão, a linguagem do amor em vez da confusão.

 

4.7. Elevada aos céus, na sua Assunção gloriosa, Maria permanecerá sempre como Mãe, que nos guia, como Estrela da Esperança, na noite dos tempos, como sinal e profecia da vitória da Paz. No centro de todas as aparições marianas, entre as quais a de Fátima, é constante a solicitude de Maria, por guiar a Humanidade, nos caminhos da Paz, mostrando-nos os meios de a alcançar: a oração e a conversão, a transformação do coração, como armas eficazes para acabar com a guerra e alcançar a Paz. Maria, Rainha da Paz, a Mulher vestida de Sol, revestida de Deus, deixa-nos esta mensagem de confiança e de esperança: “por mais radical que seja o mal, nunca é tão profundo como a bondade”. Isso é claro naquela bela e esperançosa promessa em Fátima: “por fim, o meu Imaculado Coração triunfará”. Triunfará a Paz.

 

5. Irmãos e irmãs: celebrar a festa de Nossa Senhora, Rainha da Paz, nesta Hora dramática da nossa história coletiva, faz-nos libertar da orfandade e despontar em nós a alegria de nos sentirmos povo, de sentirmos que nos pertencemos uns outros; de sabermos que só dentro de uma comunidade, de uma família, de uma Casa Comum, é que podemos encontrar a «atmosfera», o «calor» para viver em paz.   

 

Voltemos à sabedoria daquele pequenino: “o Pai que chame a Mãe”. Deus não prescindiu da Mãe: por maior força de razão, precisamos nós d’Ela. Peçamos a Deus, pela intercessão da Virgem Maria, Rainha da Paz, que nos conceda a desejada tranquilidade, os dons da unidade e da paz, para que se consolide entre nós aquela Paz que Cristo nos deixou, sem vencedores e sem vencidos! E, quando esta Paz nos vier a faltar, chamemos sempre pela Mãe. E, quem sabe, possamos erguer a taça e brindar, com o vinho novo de Caná, à Paz no nosso mundo. Chamemos pela Mãe, nesta Hora. Em todas as horas, Ela é a nossa Rainha da Paz!

 

 

 

 

 

Top

A Paróquia Senhora da Hora utiliza cookies para lhe garantir a melhor experiência enquanto utilizador. Ao continuar a navegar no site, concorda com a utilização destes cookies. Para saber mais sobre os cookies que usamos e como apagá-los, veja a nossa Política de Privacidade Política de Cookies.

  Eu aceito o uso de cookies deste website.
EU Cookie Directive plugin by www.channeldigital.co.uk