Homilia no 1.º Domingo do Advento A 2022
1. Não há Natal sem presentes, nem os presentes teriam graça se lhe retirássemos o ‘efeito surpresa’. É do efeito ‘surpresa’ que nos fala o Evangelho deste domingo, para nos pôr em estado de alerta, de vigilância, de atenção redobrada aos sinais dos tempos, a tudo o que se passa à nossa volta ou dentro de nós. A nossa rotineira habituação, a nossa constante ocupação e preocupação e até a nossa viral distração podem apanhar-nos completamente desprevenidos, desarmados, de tal modo que a vinda de Cristo nos passe ao lado! Era assim com a geração dos tempos de Noé (cf. Gn 6-8). Viviam seguros de si mesmos, numa vida mole e despreocupada, mas, de repente, surpreendeu-os o Dilúvio, a tal ponto que não deram por nada. Assim mesmo nos pode acontecer com a surpreendente manifestação da vinda de Cristo: encontrar-nos anestesiados, dormentes, tomados de sonolência, adormecidos na indiferença. Pelo que, agora e sempre, é preciso despertar da inconsciência, da sonolência, levantar-se do sono, erguer-se, porque a salvação está próxima (cf. Rm 13,11-14).O Presente surpreendente só é recebido por quem está de olhos despertos, de braços abertos pronto para O acolher.
2. De facto, Jesus vem e a Sua vinda é surpreendente para todos. Mas uns estarão preparados e outros não, para abraçar esta surpresa. Jesus fala de dois lavradores que trabalham no mesmo campo e de duas mulheres que se ocupam das lides domésticas: uns são tomados e outros deixados. Vede como uma parte destas pessoas apenas cuida do trabalho imediato sem nenhuma atenção ao que se passa dentro de si e à sua volta. Mais uma vez são pessoas, como nós, muito ocupadas, instaladas nas realidades quotidianas, cheias dos seus programas imediatos, mas distraídas do essencial. São incapazes de abraçar as surpresas do presente, através das quais o Senhor vem, nos fala e nos interpela.
3. Por isso, Jesus recomenda tão insistentemente a vigilância, porque não sabemos o dia nem a hora. Na verdade, só aquele que renuncia ao conhecimento do dia e da hora, só aquele que espera e conta, a cada momento, com a intervenção de Deus, sem querer manipulá-la, só a esse é que o Senhor Se pode manifestar! Só abraçando o agora é que se pode acolher o futuro! Precisamos cada vez mais de fazer este exercício de vigilância sobre nós mesmos, de estarmos atentos à nossa vida, ao que se passa dentro de nós (desejos, angústias, temores, expetativas) e à nossa volta; precisamos de ler os grandiosos e humildes sinais dos tempos, para discernir se tal coisa, tal sentimento, tal movimento, tal acontecimento, se vem por bem ou, se pelo contrário, vem do Maligno, para nos destruir. Também há presentes envenenados, que devemos desmascarar e rejeitar!
4. Irmãos e irmãs: vigiar não é um exercício isolado, paralisador, de medo, de reserva, de desconfiança. Não. A vigilância está ligada à oração constante, à prática diligente da caridade, à aplicação responsável dos talentos, mas sobretudo ao cuidado misericordioso dos mais pobres. Por isso – dizia há poucos dias o Papa Francisco, a respeito do ‘efeito surpresa’, quando chegar a hora da nossa despedida – “a surpresa será feliz se agora nos deixarmos surpreender pela presença de Deus, que nos espera entre os pobres e feridos do mundo”.
5. Nesta 1.ª semana do Advento, cultivemos a vigilância, a atenção do coração a todos os sinais, aos presentes surpreendentes de Deus, que chegam por fora e por dentro. Comecemos também nós a preparar um presente, que seja uma surpresa divinal para alguém, neste Natal. [Uma inscrição JMJ vinha mesmo a calhar!]. Não percamos a capacidade de surpreender os outros e de nos deixarmos surpreender pelos outros, através dos quais o Senhor vem.
O presente de Deus, Deus presente, é sempre uma surpresa. Sê original e oferece Cristo vivo de presente neste Natal.