Eis-nos, irmãos, a celebrar a Solenidade de Pentecostes, volvidos já os 50 dias de Páscoa! E, vão ainda mais distantes os 40 dias da sua preparação. Foram assim 90 dias, três meses, em que nos deixamos desafiar por este lema «Pratica a misericórdia com alegria». Agora, abrimos o nosso coração a este inesgotável «rio da misericórdia», que o Espírito Santo faz brotar e fluir do coração de Deus, para que transborde e nos comprometa na transformação do nosso mundo. 

1.“Corrigir os que erram” é a obra de misericórdia, a última a propor, ao concluirmos a caminhada diocesana, sob o lema «Pratica a misericórdia com alegria»! Ora, “corrigir os que erram”, e fazê-lo com alegria, não é coisa fácil! Pode-se cair na tentação de superioridade moral sobre o outro, ou de provocar grande tristeza, porque “toda a correção no momento em que é recebida cai mal, mas depois produz um fruto de justiça” (Heb 12,11). “Corrigir” significa, à letra “dirigir em conjunto”, aceitar a ajuda de quem caminha connosco. Se pecar é, literalmente, “falhar o alvo” da nossa humanidade, corrigir é ajudarmo-nos a reencontrarmos juntos o caminho. E o próprio caminho corrige o caminhante! É interessante, a este respeito, a correção, logo depois da ascensão:«Porque estais a olhar para o céu». Os Onze são desafiados a redirecionar o alvo do seu interesse, a cair das nuvens e assentar os pés na terra, para deitar mãos à obra, até à última vinda de Cristo, Salvador.

 

2. Mas há ainda uma correção, antes da ascensão: Jesus corrige a pressa e a curiosidade dos discípulos, quanto à hora da restauração definitiva do Reino de Israel. Dá-lhes a entender que o tempo é superior ao espaço e o que importa não é conquistar poder e territórios, mas progredir no testemunho da ressurreição. Somos senhores do momento, mas só o Pai é Senhor do tempo. É preciso, portanto, dar tempo ao tempo, deixar que Deus nos corrija, através da Sua Palavra, dos acontecimentos, das desilusões, dos sofrimentos da vida.“Talvez Deus escreva direito por linhas tortas e saiba tirar algum bem dos males que não se conseguem vencer nesta terra” (Amoris Laetitiae, 116). E, por isso, não é da nossa conta o futuro. Mesmo na correção, em família, é preciso saber corrigir em tempo e modo oportunos, sabendo “dar tempo ao tempo”. “O outro - o marido, o filho, a esposa, o pai, o irmão, a sogra -pode mudar; é possível um amadurecimento, um inesperado surto de beleza; é possível que as potencialidades mais recônditas do seu ser germinem algum dia” (cf. Amoris Laetitia, 116).

3. Irmãos: o próprio Jesus adverte-nos quanto ao dever de correção fraterna (cf. Mt.18,15), em que cada um se torna sentinela e guarda do seu irmão e, por isso, não pode deixá-lo precipitar-se no abismo, por respeito humano ou comodidade, ou sob pretexto de não se querer meter na vida do outro ou por medo de ganhar a inimizade da pessoa ou ainda por medo às suas reações. Todavia, para ser eficaz, esta correção deverá ser feita com humildade, começando por nós mesmos (cf. GI 6,1), com amor, com discrição, mansidão, firmeza (1 Ts 1,13), sem aspereza (1 Tm 5,1), sem cólera (Sl 6,2), sem exasperar, nem humilhar quem é corrigido (Ef 6,4), tendo em conta a idade, as forças e os limites das pessoas (Amoris Laetitia, 269). É importante que a correção não apareça, como expressão da ira, da agressividade, mas sempre acompanhada de estímulos, de gestos e palavras de consolação. Quem só corrige, não corrige! Para ser obra de misericórdia, há de ser sempre movida só pela misericórdia. Por isso, a correção não é julgamento do outro, visto como inimigo, mas serviço de verdade e amor ao outro, querido como um irmão.

4. Estamos a celebrar a ascensão de Cristo, que é nossa esperança. Aqui “aparece a esperança no seu sentido pleno, porque inclui a certeza de uma vida para além da morte. Aquela pessoa, com todas as suas fraquezas, é chamada à plenitude do Céu: lá, completamente transformada pela ressurreição de Cristo, acabarão as suas fraquezas, trevas e patologias; lá, o verdadeiro ser daquela pessoa resplandecerá com toda a sua potência de bem e beleza. Isto permite-nos, no meio das moléstias desta terra, contemplar aquela pessoa com um olhar sobrenatural, à luz da esperança, e aguardar aquela plenitude que, embora hoje não seja visível, há de receber um dia no Reino celeste” (Amoris Laetitiae, 117). Por isso, quem corrige, com misericórdia, não desespera do outro nem do futuro! Procura apenas fazer da terra caminho conjunto na direção do Céu. 

1.A alegria do amor, que se vive nas famílias é também o júbilo da Igreja” (AL 1)! São as primeiras palavras do Papa Francisco, na sua mais recente Exortação Apostólica, sobre o amor na família. E estas palavras iniciais não podiam encontrar melhor cenário e inspiração do que esta cena inaugural das bodas de Caná, em que Jesus dá início aos Seus sinais! E Jesus fá-lo precisamente, no contexto de umas bodas de casamento. Não é por acaso, mas um gesto simbólico, de grande simpatia, apreço e regozijo, pela alegria do amor, que se oferece, nos alvores daquela família nascente. A alegria e o vinho «bom» que vêm no fim da festa, reportam-nos às primeiras palavras do Génesis, quando ali se diz que, depois de criar o género humano, Homem e Mulher, “Deus viu que era tudo muito bom” (Gn 1,31)! E, neste sentido, a família aparece lá, como aqui, como verdadeira obra-prima da criação divina.

2.Gostaria, por isso, de voltar ao Evangelho, e de o reler convosco, precisamente nesta perspetiva da alegria do amor em família.

 

2.1.E a primeira coisa, que podemos afirmar, é que esta presença de Jesus, de Maria e dos discípulos em Caná, nos mostra quanto “Deus ama a alegria do ser humano” (AL 149): a alegria que brota do amor apaixonado, reflexo do amor de Deus por nós (AL 142); a alegria que se exprime, no prazer da relação conjugal (AL 147), e como um presente maravilhoso de Deus (AL 149; 150); a alegria que brota dos filhos, nascidos como rebentos de oliveira (AL 14); a alegria calorosa de uma família ”sentada ao redor da mesa em dia de festa” (AL 9); a alegria serena de uma casa, que abriga no seu interior a presença do Senhor (AL 17); a alegria que frutifica num amor, que se recria e transforma ao longo dos anos; no fundo, aquela alegria que brota do amor quotidiano (AL 90), daquele mútuo saber dar-se e receber-se (AL 110), sem conta nem contas. E, por isso, quando falta o vinho novo desta alegria, Jesus não fica indiferente, Maria não deixa de interceder, como “Mãe do Bom Conselho” e de Se revelar como “Causa da nossa alegria”. É esta mesma alegria do amor, que se vive em família, que Jesus, em Caná, quer celebrar, reconhecer, completar, transformar, para a partir dali a oferecer a todos em abundância!

 

2.2.Todavia não sejamos idealistas: afalta de vinho em Caná põe-nos de alerta, quanto ao risco sempre iminente de se vir a perder esta alegria. Maria diz, com confiança, ao Seu Filho, “não têm vinho” e pode hoje interceder por nós, dizendo: “não têm saúde, não têm casa, não têm trabalho”, ou ainda,“não têm fé, não têm esperança, não têm amor”, numa palavra,“não têm alegria”.E quantas crianças, adolescentes e jovens e até idosos, percebem que, em suas casas, há muito não há desse vinho! Eis porque esta alegria do amor precisa de ser cuidada e cultivada, por gestos quotidianos de serviço aos outros, de ternura e compaixão, de cortesia e gratidão, de perdão e de misericórdia, para que, em vez de vinho novo e bom, esta alegria do amor, não se torne água inquinada, a circular em circuito fechado. Isto pode acontecer sobretudo “com a vida do amor nos primeiros anos do matrimónio: quando fica estagnada, cessa de mover-se, perde aquela inquietude sadia que a faz avançar” (AL 219). Para evitar isto, diria aos casais, que é preciso não deixar parar a dança da festa do casamento (cf. AL 219). Estai muito atentos, para cuidar, dia a dia, da alegria do amor em família, para que esta não venha a ser trocada pela “busca obsessiva do prazer” (AL 126), ou não venha a ser contaminada por formas ambíguas de amor, de domínio ou de violência e manipulação (cf. AL 153), ou mesmo dilacerada, pelas inevitáveis crises da vida familiar, ou, tantas vezes, rompida pela erosão do tempo. Mesmo se uma certa forma de prazer se apaga, com o passar dos anos, é preciso “ampliar o coração, para expandir a capacidade de desfrutar de novas alegrias” (cf. AL 126). É verdade que um casal não pode aparentar a mesma beleza exterior, prometer ter os mesmos sentimentos e manter os mesmos desejos a vida inteira, mas é possível ter um projeto comum e amar-se até ao fim.“Ainda que muitos sentimentos confusos girem pelo coração, mantém-se viva, dia a dia, a decisão de se amar, de se pertencer, de partilhar a vida inteira e continuar a amar-se e a perdoar-se” (AL 163). Caná ensina-nos que a alegria matrimonial se vive mesmo no meio do sofrimento; e é também por aí que ela cresce e se renova. Aliás, “poucas alegrias humanas são tão profundas e festivas como aquelas que custam um grande esforço compartilhado” (AL 130). Não há, portanto, por que estranhar ou desertar ou descartar-se, face às crises inevitáveis (cf. AL 235), pois cada crise, em família, torna-se“uma ocasião para chegar a beber, juntos, o vinho melhor” (AL 232).

 

2.3.Por isso, não resisto a um último detalhe: o vinho bom veio no fim. E, nesta perspetiva, deixo aqui uma palavra de esperança àqueles que, no amor, já envelheceram o vinho novo do noivado: “Quando o vinho envelhece com esta experiência do caminho, então floresce em toda a sua plenitude a fidelidade dos momentos insignificantes da vida. É a fidelidade da espera e da paciência. Esta fidelidade, cheia de sacrifícios e alegrias, de certo modo vai florescendo na idade em que tudo fica «sazonado» e os olhos brilham com a contemplação dos filhos de seus filhos” (AL 231). Por isso, de um casal, que vive a alegria do amor em família, ao longo do tempo, pode dizer-se que o seu amor é «como o vinho do Porto». Se for bom, “quanto mais velho, melhor”!

 

3. Neste dia de Festa, em honra de Nossa Senhora da Hora, queremos pedir a Maria que seja verdadeiramente, para todas as famílias, “Causa da nossa alegria”: alegria pura para as crianças, alegria criativa para os jovens, alegria confiante para os noivos, alegria animadora para os casais em crise, alegria consoladora para as famílias feridas, alegria serena para os casais mais velhos. E, se me é permitido, alegria pascal, para as mulheres grávidas, à espera de uma boa hora, ou então já agraciadas pelo dom de seus filhos nos braços. A vós, especialmente, quero dizer-vos: “Cuidai da vossa alegria, que nada vos tire a alegria interior da maternidade. Os vossos filhos merecem a vossa alegria” (AL 171).

Irmãos e irmãs: «O nosso pensamento volta-se agora (de novo e sempre) para a Mãe de Misericórdia. A doçura do Seu olhar nos acompanhe neste Ano Santo, para podermos todos redescobrir a alegria da ternura de Deus» (MV 24), impressa e expressa, na alegria deste amor, que se vive em família, “quer nas horas de tristeza, quer nas horas de alegria”. Assim mesmo, assim mesma “louvada seja na Terra a Virgem Santa Maria”, Causa da nossa alegria! 

Não desprezes nenhum bom conselho” (Tb 4,18)! E os apóstolos Paulo e Barnabé procuram-no humildemente, para saber o que fazer, diante de uma questão que divide a sua comunidade. Procuram conselho, não em videntes ou cartomantes, que têm resposta para tudo, mas em pessoas sábias, que lhes estão a uma certa distância, mas que guardam a Palavra de Jesus, que rezam sem cessar e que se deixam guiar pelo Espírito Santo! Paulo e Barnabé não esperam dos Apóstolos “um oráculo”, uma receita fácil, uma ordem, uma certeza absoluta. 

«Ensinar os ignorantes» é a segunda obra de misericórdia espiritual, proposta para esta quinta semana da Páscoa. Será uma obra de misericórdia, em desuso? Na verdade, quem se atreverá a considerar o outro como “ignorante”, sem levar, por resposta defensiva e agressiva, «ignorante és tu!» 

«E Deus enxugará todas as lágrimas dos seus olhos»

(Ap 7,17; 21,4)

Suportar com paciência as fraquezas do nosso próximo!

1. Esta é a sexta obra de misericórdia espiritual, que nos propomos viver, nesta terceira semana da Páscoa. Dita assim, ou, na pior tradução, «suportar com paciência as pessoas molestas»,nem parece uma obra de misericórdia! Dá-nos a impressão, à primeira vista, de que já não há nada a fazer, «perante as pessoas molestas» ou aborrecidas, que nos carregam ou sobrecarregam de problemas, que se nos tornam pesadas, difíceis de aturar, de suportar. Mas a paciência de Jesus ressuscitado, com os Seus discípulos, na Sua terceira aparição, e o testemunho alegre dos Apóstolos, perante os ultrajes, ajudam-nos a viver retamente esta obra de misericórdia.

“Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom; é eterna a Sua Misericórdia” (Sl 117/118,1-2).

1.Jesus veio, pôs-Se no meio deles e disse: «A paz esteja convosco!». E mostrou-lhes as mãos e o peito” (Jo 20,19-20), mostrou-lhes as Suas chagas. Reconheceram, assim, que não se tratava de uma visão, mas era mesmo Ele, o Senhor, e encheram-se de alegria. Oito dias depois, Jesus veio de novo ao Cenáculo e mostrou as chagas a Tomé, a fim de que as tocasse, como ele pretendia, para poder acreditar e tornar-se, também ele, testemunha da Ressurreição.

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