Homilia na Sexta-Feira Santa 2022
São três os dias que a Igreja nos propõe para celebrarmos o mistério pascal do Senhor crucificado, sepultado e ressuscitado. E são também três as festas da Páscoa, que convergem nesta celebração da Paixão: a da Páscoa judaica, a da Páscoa de Cristo e a da nossa Páscoa cristã, que desejamos celebrar, especialmente neste ano, como verdadeira Páscoa de Paz.
1. O relato da Paixão enquadra a Páscoa de Jesus, isto é, o seu padecimento e a sua passagem deste mundo para o Pai, no contexto da festa antiga da Páscoa judaica. Vede bem: à mesma hora que, no templo de Jerusalém, começava a imolação dos cordeiros, para celebrar a festa da Páscoa judaica, também Jesus é entregue, por Pilatos, para ser crucificado. O Evangelista anota com toda a precisão: “era o dia da preparação da Páscoa, por volta da hora sexta” (Jo 19,14). E, deste modo, abre-nos ao dom de uma Páscoa nova, com o sacrifício de um novo Cordeiro pascal. Jesus é conduzido para a cruz “como cordeiro levado ao matadouro”, porque Ele, sim, é o verdadeiro Cordeiro da nova Páscoa, cujo Sangue derramado tem realmente a força e o poder de nos livrar do pecado e da morte e de nos reconciliar com o Pai. Vai também nesse sentido, a observação do mesmo evangelista quando anota esta citação: “nenhum osso lhe será quebrado” (Jo 19,36). Seguem-se, em relação a Jesus, as mesmas prescrições da tradição judaica em relação à prática da imolação do cordeiro pascal (cf. Ex 12,46; Nm 9,12). Neste sinal, a morte de Jesus é a do Justo perseguido (Sl 33,21).
2. Estas considerações só nos importam, para percebermos a mudança radical e a novidade do sacrifício pascal de Cristo. Os sacerdotes da antiga Lei ofereciam vítimas animais em sacrifício, para aplacar a ira divina e atrair os favores divinos do perdão e da paz. Cristo, ao contrário, é o Cordeiro inocente, que Se oferece a Si mesmo como vítima, por todas as vítimas da violência e do mal. Sobre Ele, o Senhor fez cair as faltas de todos nós! Ele não nos acusa nem culpabiliza, mas toma sobre Si as nossas culpas. Portanto, em Cristo Crucificado, Deus não quer jamais para si, nem em Seu Nome, quaisquer vítimas da violência. É o próprio Deus Quem Se faz vítima, em nome de todas as vítimas e solidário com todas elas. Não podemos, por isso, deixar de ligar o padecimento de Cristo, nossa vítima pascal, ao calvário da guerra na Ucrânia e ao de todas as vítimas inocentes da violência, da guerra, do preconceito, dos maus-tratos, de todos os abusos e perseguições.
3. Na cruz de Jesus estilhaçam-se, portanto, todas as lógicas de violência e de fuga à responsabilidade pelo mal, porque Cristo toma o lugar das vítimas, dá a outra face, faz triunfar o perdão em vez da vingança, vence a violência com a força frágil do amor. Ele mostra-nos que só o amor vence o ódio e a injustiça. O amor é, pois, a força dos não violentos, dos profetas não armados, hoje tão poucos e tão apoucados.A vitória da vítima, «vencedor porque vítima», na Cruz de Cristo, mostra-nos, de forma inequívoca que a violêncianunca é uma resposta justa, porque destrói o que ambiciona defender: a dignidade, a vida e a liberdade humanas.Em vez de violência, usemos de compaixão e de misericórdia para com todos os que nos ferem e magoam, porque, do alto da Cruz, Deus vê um filho em cada um e não um inimigo. A Cruz faz-nos irmãos!
Nesta tarde da Paixão do Senhor, o nosso beijo à cruz dará lugar a um humilde gesto de reverência e inclinação. Que ele seja acompanhado por esta súplica ardente: “Pela tua Santa Cruz, dá-nos, ó Jesus, uma verdadeira Páscoa de Paz”!