HOMILIA NO XXXIII DOMINGO COMUM C 2019
Dois pratos fortes à mesa da Palavra e da Eucaristia, neste penúltimo domingo do ano litúrgico: a celebração do 3.º Dia Mundial dos Pobres e a conclusão da Semana de Oração pelos Seminários! E como os digerir e saborear, sem deitar nada a perder? Creio não “forçar o casamento” deste par fabuloso se pensarmos precisamente numa pastoral vocacional a partir dos pobres. Permitam-me então que partilhe convosco cinco breves notas de reflexão:
1. Deus chama-nos através dos pobres a sairmos de nós mesmos, a dispormos do nosso tempo, a relativizarmos e a partilharmos os nossos bens, e assim a pormos, de facto, toda a nossa esperança no Senhor. Ser amigos dos pobres, escutá-los, compreendê-los e acolher a sua misteriosa sabedoria (cf. EG 198)é um caminho concreto de aprendizagem da escuta, do seguimento e do serviço desinteressado ao Senhor. Para isso, às vezes, basta parar, sorrir, escutar. O compromisso com os pobres é uma grande escola da dádiva, em que se aprende a viver a alegria de dar e de se dar aos outros. Se não descobrirmos que há tantos pobres que precisam de outros pobres, como eu e tu, por que haveria algum de nós deixar tudo por causa deles? Sentir-se útil e necessário faz com que cada um não se fixe tanto na pergunta «quem sou eu», mas sobretudo na pergunta decisiva da vida: «para quem sou eu» (CV 286)?!
2. Toda a pessoa, chamada por Deus, vê-se a si própria como um pobre instrumento escolhido por Ele, para a libertação e promoção dos pobres de todas as pobrezas, a começar por essa pobreza espiritual, que é a falta de Deus e do Seu amor. Quando não há, na vida cristã, um amor preferencial pelos não amados ou mal-amados, então sobrarão a indiferença, a cegueira e a surdez! Ora, quem permanece cego e surdo ao grito dos pobres, como poderá escutar a voz silenciosa de Deus e reparar nos mais pobres, que são afinal os seus eleitos?!
3. Um estilo de vida pobre e simples, sóbrio e solidário, austero e despojado é a mais eficaz «provocação»a esta cultura da aparência, do consumo e do descarte. Não há vídeo mais apelativo para as vocações (também as sacerdotais) do que o testemunho feliz de uma vida pobre, livre em relação a tudo e a todos. Uma Igreja, pobre de meios e rica no amor é mais atraente do que um templo de belas pedras e preciosas ofertas. Aquele que é chamado anuncia que Deus é tudo… quando realmente tudo o que tem é nada!
4. Portanto, toda a vocação cristã vive desta dupla atração: o amor a Cristo, pobre e humilde, e o amor a todos os pobres, nos quais Ele se vê e revê. Amar os pobres, sem os esquecer, é o indicador seguro de uma vida cristã autêntica (Gl 2, 10), porque há um laço indissociável entre o anúncio do Evangelho e a opção preferencial pelos pobres (cf. EG 48). Quando os pobres não estão em primeiro lugar na nossa vida cristã, a pretexto de coisas maiores, então a nossa vida está cheia de coisas a mais. E Deus não tem lugar! Como poderá alguém tão cheio de si reservar o melhor de si para Deus e para os outros?!
5. Por fim, e em jeito de conclusão operativa, se queremos enfrentar a pobreza de vocações sacerdotais,eduquemos as nossas crianças, adolescentes e jovens, para a alegria da partilha e do serviço voluntário, no compromisso concreto com os mais pobres. Este é o caminho pelo qual descobrirão o sentido da própria vida e encontrarão mais amplas razões de viver, muito para além do sucesso pessoal e da carreira profissional. Na verdade, a descoberta de um outro mundo, muito para além do meu, faz-me compreender como é promissor este pensamento, que inspirou toda a Semana de Oração pelos Seminários: “O Senhor não olha apenas para aquilo que tu és, mas para aquilo que tu podes chegar a ser” (CV 289)… com Ele e com os outros, n’Ele e para os outros!