Homilia no XXXII Domingo Comum B 2024
1.«Para Jesus, tudo o que não seja tudo é nada»! Dissemo-lo há oito dias, quando meditávamos no belo diálogo entre Jesus e o doutor da lei, sobre o mandamento primeiro do amor a Deus ‘com todo o coração, com toda a alma, com todo o entendimento, com todas as forças’. E hoje, o ensinamento de Jesus traduz-se numa imagem, ao vivo, da totalidade dessa entrega, por parte de uma mulher, pobre e viúva. Jesus, sentado como Mestre, como Juiz e como Rei, de frente à Arca do Tesouro, chama a Si os seus discípulos, para que observem não a quantidade, mas a totalidade; não o que cai na caixa do tesouro, mas o que fica no bolso! Para Jesus, o que conta é esta totalidade. Para Jesus, tudo o que não seja tudo é nada! É por isso, que, sem dar nas vistas, salta à vista de Jesus, o gesto humilde daquela viúva. Ela não deu pouco nem muito: simplesmente deu tudo o que tinha para viver! Todos os seus haveres e viveres. Naquele gesto, de extrema liberdade, de verdadeira pobreza, de plena confiança na Providência, esta viúva joga toda a sua vida e não apenas uma parte dela; joga tudo o que tem e não apenas os adereços ou as sobras. Ela dá tudo e não o supérfluo!Dar o que sobra não tem a marca de Deus.
2.Neste sentido, podemos dizer que o gesto da mulher, pobre e viúva, é um gesto profético que anuncia a suprema entrega de Jesus, na Cruz, Ele que não reservou nada para Si, mas Se ofereceu a Si mesmo, de uma vez por todas, por todos (Ef 5,2)e por mim (Gl 2,20). Este é o grande desafio colocado aos discípulos: seguir Cristo, oferecendo a vida toda por toda a vida, dando tudo, jogando tudo, arriscando tudo, nas mãos de Deus, pela vida dos outros. E, mais uma vez, – vede bem – o bom exemplo de uma dádiva total vem precisamente de uma mulher, que nem sequer podia ir além do átrio do Templo. É desta mulher que os discípulos recebem o testemunho do dom de Cristo, do seu sacerdócio.
3.Queridos irmãos e irmãs: nesta perspetiva da totalidade do dom da vida, valeria a pena refletirmos as causas da diminuição de candidatos ao ministério presbiteral nos nossos Seminários. Poderemos ser levados a pensar que este ministério deva ser acessível também a homens casados, de vida cristã comprovada. E teremos tantos! Mas faltará saber se os próprios, as esposas e os filhos estarão dispostos a comprometer o matrimónio e a família na radicalidade desta doação. Poderemos pensar em reconhecer às mulheres o direito a um mais amplo espaço nos lugares de liderança e de decisão na Igreja e, por que não, em abrir-lhes a porta do diaconado permanente. São perspetivas em aberto, a sinodalizar, na escuta à voz do Espírito Santo, que nos está a dar sinais de imperiosa mudança de rumo.
4.Mas não nos iludamos, irmãos e irmãs: a montante desta diminuição de respostas ao chamamento sacerdotal está uma crise da dádiva, na vida de tantos batizados; está o medo e a desconfiança em relação a uma entrega total, exclusiva e definitiva no matrimónio; está a diminuição drástica do número de filhos, quando não a sua substituição por animais de estimação; está a demissão da família cristã, como correia e correio de transmissão da fé; está a diminuição da prática dominical e o esquecimento da oração pessoal; está a alergia ao espírito de sacrifício e de serviço desinteressado. Numa profissão, no matrimónio, no serviço à Igreja, na vocação consagrada ou no ministério sacerdotal, a questão é esta: que posso esperar de quem não está disposto a dar a vida toda por toda a vida? Praticamente nada!
5.Eis porque é bem atual o apelo do poeta Ricardo Reis: “Para ser grande, sê inteiro. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes”. É essa a justa medida da nossa resposta desmedida ao dom de Deus: precisamos de homens e mulheres que se deem com tudo e com todos, para o bem de todos!