Homilia no II Domingo da Páscoa B 2024
1.Vivemos o Santo tempo da Quaresma e o Sagrado Tríduo pascal, com os olhos fixos nas santas e gloriosas chagas de Cristo que, por fim, gravámos no círio pascal, com esta íntima convicção: “Pelas suas chagas somos curados” (cf. 1 Pd 2,24; Is 53,5). O Evangelho deste Domingo da Oitava da Páscoa permite-nos recapitular, iluminar e projetar o espírito desta caminhada, com o testemunho de Tomé, cuja fé ferida pela dúvida, se cura tocando as chagas de Cristo Ressuscitado! O que para alguns seriam pedras de tropeço na fé (o sofrimento, a dor, o mal, a morte), para Tomé, tais chagas são a pedra de toque, a pérola da sua fé. Tomé não quer acreditar num Cristo sem Cruz, num qualquer deus glorioso e distante, insensível à dor humana! Tomé insistia em ver o sinal dos cravos, em meter o dedo no lugar dos cravos de Jesus e a mão no Seu lado aberto, para confirmar a sua fé num Deus ferido, que Se identifica com todos os feridos e feridas de todos os tempos. O Corpo glorioso de Cristo Ressuscitado mantém intactas as feridas da sua Crucifixão, porque o Ressuscitado não é um Herói solitário e isolado da nossa frágil e ferida condição humana. Ele não se descartou da nossa história de dor e de amor.
2.Numa das últimas visitas a um Centro de Dia, ofereci a todos os idosos uma Cruz, com as cinco chagas. E uma senhora, certamente fiel de uma confissão cristã não católica, rejeitou a prenda da Cruz, justificando-se: “Ele já não está na Cruz”. E eu lá lhe fui dizendo: Se Ele não está na Cruz, está fora da sua Vida, está alheio a toda a dor do mundo e, portanto, é um Deus distante de nós. De facto, nós anunciamos a Ressurreição do Senhor, com a imagem de um Crucificado, porque temos plena consciência de que Cristo Ressuscitado leva e eleva com Ele ao Pai, estas chagas, que, em boa verdade, são d’Ele e são nossas. Ele apresenta-as ao Pai, para que tenha misericórdia de nós!Quem não carrega ainda e sempre as cicatrizes de escolhas passadas, de incompreensões, de dores que permanecem por dentro e são tão difíceis de superar? Mas também de injustiças sofridas, de palavras cortantes, de juízos inclementes?Jesus mostra-nos as Suas feridas, para nos indicar que, na sua Páscoa, se pode abrir uma nova passagem, através delas. É possível fazer das próprias feridas furos de luz!
3.Como? Qual o remédio para a cura das feridas? As nossas feridas podem ser curadas e tornar-se fontes de esperança, na medida em que se tornarem canais de misericórdia: quando, em vez de nos queixarmos ou de as escondermos, enxugarmos as lágrimas dos outros; quando, em vez de termos ressentimento por alguma coisa que nos foi tirada, cuidarmos do que falta aos outros; quando, em vez de nos inquietarmos com os nossos problemas, nos debruçarmos sobre quantos sofrem. É assim também com a própria fé, que não vem só da água, mas também do sangue, e, por isso, tem de ser provada e ferida pela dor e pela morte, para ressuscitar, como fé viva, pessoal e pascal. É assim com esta nossa fé ferida pelos escândalos ou pelos desgostos: ela não se cura tornando-se uma fé fugitiva ou fugidia, isolada, mas aceitando ser uma fé abraçada pela comunidade. É agindo assim, juntos na fé e tocando a carne de Cristo nas feridas dos irmãos, que a nossa própria ferida cicatrizará (cf. Is 58, 8)e a esperança voltará a florescer em amor compassivo!
4.Neste Domingo da Misericórdia Divina, recordemos sempre que estas chagas são canais de misericórdia. São Bernardo escreveu: «através das feridas do Corpo, manifesta-se a recôndita caridade do Coração de Cristo, torna-se evidente o grande mistério do amor, mostram-se as entranhas de misericórdia do nosso Deus» (Disc. 61, 3-5: Opera omnia 2, 150-151).
Façamos então das chagas, de Cristo, das nossas e dos outros, canais de misericórdia. Que o bálsamo da misericórdia divina cure todas as feridas, para anunciarmos a todos que o Senhor é Bom! Éeterna a Sua misericórdia!