Homilia no XXIV Domingo Comum A 2023
1.Perdoar setenta vezes sete! Não é uma questão matemática, para dar voltas à cabeça, mas é uma operação para fazer contas de cor, isto é, a partir do coração. Para encontrar a paz do coração, a salvação, não nos basta aplicar a justiça, que dá e devolve a cada um o que é devido, que aplica uma pena tendo em vista a reparação pelo mal feito. Também são devidos ao pecador, ao ofensor, o perdão, a misericórdia, a compaixão, a oportunidade de um novo começo. A parábola mostra-nos que podemos ser justos na aplicação da lei, no pagamento das dívidas. Podemos até ser honestos, no cumprimento do dever e, no entanto, sermos malvados e impiedosos! Jesus ensina-nos a ir além da justiça, sem a negar; ensina-nos que a cura da nossa relação com quem nos ofendeu precisa do imenso dom do perdão. O perdão é o dom perfeito, é a misericórdia que vai além da justiça. A justiça por si só não é suficiente. E a experiência mostra-nos que, limitando-nos a apelar para a justiça, corremos o risco de a destruir. Se Deus se detivesse na justiça, seríamos todos insolventes, na dívida para com Ele (cf. MV, 21)!
2. Mas esta parábola sobre o perdão é altamente medicinal. Por isso, gostaria de concretizar, a graça do perdão, em três caminhos de cura e libertação:
1- Perdoar faz bem e faz-nos bem! A ira e o rancor fazem-nos mal ao coração! Podemos até reagir, à primeira, com cólera, indignação, revolta. Mas se, por fim, não perdoarmos, tudo e sempre, estragamos o nosso coração. Deixamos que a ofensa recebida se torne, no íntimo do coração, uma espécie de ferida malcurada, um vírus maligno em expansão, que nos rói e destrói. Quem não perdoa faz mal a si próprio, alimenta o veneno que o mina, contamina e mata. Quem não sabe perdoar, corre o risco de ficar ferido para sempre!
2- Perdoar é necessário, para conviver, de maneira saudável, na família, na amizade e no amor e em múltiplas situações da vida. Um casal sem mútua compreensão destrói-se; uma família sem perdão é um inferno; uma sociedade
sem compaixão é desumana. Que seria do mundo, se apenas houvesse a justiça e o castigo? Sem o perdão dos outros, sem o perdão aos outros, sem o perdão de Deus, para uns e para outros, a nossa vida seria irrespirável, insustentável! Só o perdão torna a vida viável e saudável.
3- Perdoar não significa esquecer, branquear o mal ou ignorar a injustiça! Perdoar significa recordar a ofensa recebida de modo diferente e acolher o mal recebido como uma oportunidade para a conversão da minha vida, para o meu crescimento e amadurecimento no amor. É verdade que, na prática penitencial da Igreja, ao dom do perdão recebido corresponde sempre uma penitência, um dever de reparação, um esforço de mudança, um sinal da conversão. Sim. Mas, no fim de tudo, e sempre, ninguém paga ou apaga o mal feito, com um simples pedido de perdão, uma devolução ou um gesto de reparação. Só o perdão, que dá mais que o merecido, pode curar o coração, de quem é ofendido e de quem nos ofendeu. Não perdoo, porque eu seja bom e o outro mereça. Perdoamos um ao outro, porque ambos precisamos de seguir em frente, libertos do peso do pecado e do passado. Pelo que pedir perdão é estar disposto a aceitá-lo. O perdão é um presente com futuro!
3. Irmãos e irmãs: estamos no início de um novo ano, escolar, laboral e pastoral. Era tão bom fazermos, como fazem os judeus, no início do ano, a experiência e a Festa de um grande perdão! Façamos uma limpeza a fundo do coração. Acolhamos e ofereçamos o dom do perdão. Dêmos uma oportunidade ao futuro!
Digo-te, agora, a ti mesmo, e de todo o coração: se não for por mais nada, “perdoa, pela tua rica saúde”!