Liturgia e Homilias no XX Domingo Comum A 2023
Destaque

Somos convocados, mais uma vez, neste domingo, a louvar e a engrandecer a fé de uma mulher, de uma estrangeira, de uma libanesa, de uma pagã. O Senhor desafia-nos a acolher e a escutar o grito dos mais pobres, dos excluídos, dos estrangeiros, de modo que a família, a Igreja e o mundo se tornem verdadeira Casa comum, Casa de oração, para todos os povos (cf. 1.ª leitura), para todos os filhos de Deus, que andam dispersos. Que esta Igreja seja uma Mãe de coração aberto, a todos os que queiram entrar. Confiemo-nos desde já ao Senhor, que usa de misericórdia para com todos (cf. 2.ª leitura).

Reflexão breve | Pároco ausente

A minha casa será chamada casa de oração para todos os povos(Is 56,1.6-7).

 

Judeus e pagãos, homens e mulheres, todos são amados e chamados por Deus. A profecia de Isaías de uma “casa de oração para todos os povos”, de perto e de longe, de casa e de fora, aponta para uma Igreja, Casa Comum, onde haja lugar para todos os povos, onde não haja estrangeiros, mas em que todos, de um lado ou de outro, são concidadãos do Reino e membros da família de Deus. Aponta assim, para aquela Igreja desenhada e sonhada pelo Papa Francisco: uma Mãe de coração aberto, acolhedora, sem portas, para que todos possam nela entrar e aí encontrar o seu lugar. Disse o Papa, na celebração de acolhimento da JMJ: “Na Igreja, ninguém está a mais. Há espaço para todos. Assim como somos. Todos. Jesus di-lo claramente. Quando manda os apóstolos chamar para o banquete daquele senhor que o preparara, diz: «Ide e trazei todos», jovens e idosos, sãos, doentes, justos e pecadores». Todos, todos, todos! Na Igreja, há lugar para todos”. E o Papa imaginava este diálogo: «Padre, mas para mim que sou um desgraçado, que sou uma desgraçada, também há lugar?» - E responde: “Há espaço para todos! Todos juntos. Jesus nunca fecha a porta, nunca. Mas convida-te a entrar: «entra e vê!»”. E em Fátima, o Papa aproveitou o cenário de uma Capelinha, sem portas nem janelas, para dizer: “esta é uma bela imagem da Igreja: acolhedora, sem portas. A Igreja não tem portas, para que todos possam entrar. E aqui podemos insistir também no facto que todos podem entrar, porque esta é a casa da Mãe, e uma mãe tem sempre o coração aberto para todos os seus filhos, todos, todos, todos, sem excluir nenhum”. Levemos esta Boa-nova sobretudo àqueles que partem do princípio de que não há lugar para eles, por causa da sua história de vida ou da sua condição. Digam-lhes que têm o seu lugar. E que podem entrar, para fazer caminho e encontrar no coração da Igreja o próprio lugar.

Reflexão mais longa | Pároco ausente

A minha casa será chamada casa de oração para todos os povos! (Is 56,1.6-7).

1. Ficou bem no ouvido de todos a insistência, pela enésima vez, daquele “todos, todos, todos” do Papa Francisco. O Papa di-lo e tem-no dito até à exaustão.  Porque - penso eu - há muita gente que, à priori, se julga de fora, julga-se sem direito a fazer parte da Igreja, sem direito a participar na vida eclesial, sem direito a celebrar os sacramentos. Tenho encontrado muitas pessoas (sobretudo pessoas divorciadas, mães solteiras, recasados) que partem do pressuposto que estão excluídas da Igreja e, por isso, nem sequer ponderam um diálogo com vista a uma aproximação, a uma (re)integração, a uma maior participação. E é verdade que o discurso e a prática clerical por muitos e muito tempo (e ainda por alguns) ajudou a estigmatizar estas pessoas. Creio que o Papa, com esta insistência, quer dizer a todos, que devem aproximar-se da Igreja, independentemente do seu estado de saúde espiritual e que, para todos, há um lugar na Igreja. A Igreja, enquanto Mãe, está aberta a todos. Levemos esta Boa-nova sobretudo àqueles que partem do princípio de que não há lugar para eles, por causa da sua história de vida ou da sua condição. Digam-lhes que têm o seu lugar. E que podem entrar, para fazer caminho e encontrar no coração da Igreja o próprio lugar

2. Mas também, como explicou o Papa na entrevista dada no voo de regresso a Roma, para quem quer entrar, há um caminho de ingresso e de progresso, há um processo paciente de discernimento, de crescimento e de acompanhamento, que é preciso fazer. A vida cristã e a pertença e participação na Igreja não é anárquica. Cada um tem, pois, de fazer o seu próprio caminho, na oração, no diálogo pastoral com a Igreja, a fim de encontrar a sua forma de prosseguir, de se integrar, de participar. E aí sim, para todos, todos, todos, deve estar aberta a porta da Igreja. Portanto, este “todos, todos, todos” não significa abrir agora «época de saldos», caindo na tentação da 'graça barata', em que se pede e exige à Igreja todos os direitos, para poder entrar e celebrar os sacramentos, sem se identificar e sem se comprometer minimamente com nada e com ninguém. Este "todos, todos, todos" do Papa Francisco não significará, pois, uma "entrada" ao desbarato, sem verdade cristã nas intenções e disposições. Pressupõe-se, para quem quer entrar na Igreja, o desejo de fazer parte dela, de participar, de ser membro ativo e de "pleno direito" na vida da comunidade eclesial. E isso implica não só graça como missão, não só direitos como deveres.

3. O acolhimento cordial não pode dispensar o apelo à conversão, até ao bem possível, que cada um pode oferecer na sua resposta à graça de Deus. E a estes, a todos estes, desejosos de iniciar um caminho de pertença e de participação, nunca se poderá impedir de entrar; a estes não se deve "alfandegar" a fé, com normas e regras, que os deixem sempre do lado de fora e com o complexo de culpa. Todos terão o seu lugar, na Igreja. Todos, todos, todos. Mas isso também significa que devem querer fazer desse lugar não um direito de posse, mas uma possibilidade de viver a sua vocação e missão, mesmo se com limitações.

4. Os ouvintes, porventura mais desprevenidos, ficarão com a ideia de que aquele "todos, todos, todos" do Papa Francisco seja uma espécie de via verde, sem quaisquer restrições, para aceder à vida da Igreja, à comunhão eclesial e até aos sacramentos, como se, de repente, a celebração dos sacramentos não pressupusesse a fé da Igreja e pudéssemos banalizar tudo, como se tudo e o seu contrário, valessem a mesma coisa.  Doravante, alguns leigos – sobretudo os mais distantes da comunhão eclesial, poderão pensar que qualquer filtro ou "crivo" para se tornar cristão, para exercer um múnus ou ministério na Igreja (para ser padrinho ou madrinha), para batizar ou comungar na Eucaristia, é algo contrário à vontade do Papa, que insiste tanto no "todos, todos, todos".

5. Ora a parábola que o Papa cita para justificar esta opção (Mt 22, 1-15) é a do convite de um tal Senhor para um banquete, em que, depois de sucessivas declinações dos primeiros convidados, se alarga o convite a todos os que se encontrar pelas ruas e encruzilhadas dos caminhos. Mas a mesma parábola também alude à presença de alguém que, estando ali, não veste o traje nupcial, não veste a camisola, não se identifica com o grupo. E a esse é dada a ordem de saída.

Concluindo: a porta está aberta a todos, é uma porta alta, mas é sempre uma porta estreita. É verdade, que muitas vezes, a estreitamos, a tal ponto, que ninguém poderia passar por ela, mas também é verdade que alguns, quando entram, já o fazem pela porta de saída. Neste sentido, a afirmação do Papa tem de ser compreendida com outra que fez na vigília de oração: “Na vida, nada é de graça; tudo se paga. Só uma coisa é gratuita: o amor de Jesus”. A Porta que é Jesus está escancarada para nós, para todos, todos, todos.

[Reflexão a partir de um texto meu, publicado no Facebook]

 

 

 

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