Homilia no XX Domingo Comum C 2022
“Pensai n’Aquele que suportou contra si tão grande hostilidade” (Hb 12,3)!
1. Fixemos então os olhos em Jesus, o guia da nossa fé, e pensemos nas muitas formas de hostilidade, de recusa, de negação, de oposição, de desprezo, de rejeição, até à violência extrema. Em todo o caso, Cristo acolheu e sofreu, suportou e superou tudo isto com amor. Ele transformou a hostilidade em hospitalidade, ao oferecer o seu olhar de compaixão a todos e, naquele abraço universal da Cruz, ao oferecer o perdão aos que O entregavam e condenavam à morte, até hospedar, de imediato, no Paraíso do seu coração o bom ladrão.
2. E pensemos nós também nas muitas manifestações de hostilidade, no nosso mundo de hoje, que se quer tão global e se pretende construir como uma Casa Comum. Este é o mundo dos homens e mulheres que olham com desconfiança para o estranho e para o estrangeiro, veem no desconhecido um potencial criminoso, reforçam a segurança da casa com cães e fechaduras duplas para se protegerem do vizinho, do transeunte, do malvestido, do pedinte, do migrante, do cigano, do sem-abrigo, do refugiado. As medidas de segurança, cada vez mais rígidas, acabam por nos transformar a todos em suspeitos criminosos. Mas esta hostilidade está latente mesmo onde se esperava viver um espaço mais fraterno e acolhedor. No mundo escolar, académico, desportivo, científico, aqueles que nos são mais próximos, como os condiscípulos, os colegas de equipa, de desporto e de trabalho, são tantas vezes vistos apenas como concorrentes e usurpadores dos nossos primeiros lugares, como inimigos a abater ou a combater, como adversários a queimar, como perigos a eliminar, ou um então, como um incómodo, persona non grata, de quem nos queremos livrar o mais depressa possível.
3. Esta hostilidade nega a hospitalidade à criança que quer nascer, ao idoso que é preciso cuidar, ao migrante que parte com a sua rica bagagem à procura do seu justo lugar. Esta hostilidade é mais impiedosa nas redes sociais e na comunicação social, onde se bloqueiam os que não pensam como nós, onde se atiram, como ao profeta Jeremias, para o lodo da praça pública todos aqueles que desejamos calar ou eliminar. Apesar das palavras de boas-vindas da publicidade turística no Portugal de braços abertos, a hospitalidade confunde-se com a etiqueta social e não disfarça a obsessiva defesa do nosso território pessoal, do nosso próprio bem-estar, que nos faz erguer muralhas de condomínios fechados à nossa volta. Depois da pandemia, e apesar da ânsia do encontro face-a-face e do desejo da convivialidade, sentimos as pessoas cada vez mais defensivas, mais agressivas, ansiosamente agarradas aos seus bens materiais e inclinadas a olhar os outros com desconfiança.
4. Irmãos e irmãs: superar a hostilidade pela via da hospitalidade implica criarmos espaço interior para os outros, o que está longe de ser uma tarefa fácil, pois estamos demasiado ocupados e preocupados connosco mesmos, tão cheios de nós, que os outros não encontram em nós o seu lugar. O tempo de verão, de passeios, de viagens e peregrinações, de idas e voltas, de refeições e conversas mais demoradas, devia ajudar-nos a fazermos férias de nós mesmos, abrindo e alargando, dentro de nós, um espaço livre para os outros. É tão importante convertermos a hostilidade em hospitalidade, o inimigo em convidado, para acolhermos o outro, o diferente, como uma bênção e não como uma ameaça, como uma riqueza e não como um prejuízo, como uma oportunidade e não como um problema, como uma interpelação e não como um perigo, como um desassossego e não como um incómodo, como dádiva de Deus e não como um presente envenenado.
5. Abraça o presente é, pois, o grande desafio do próximo ano pastoral. Esperemos pela celebração de amanhã, Solenidade da Assunção, para contemplarmos juntos a beleza da hospitalidade, no abraço de Maria e de Isabel. É a hospitalidade de quem sabe receber, de braços abertos, no hóspede e através dele o presente de Deus! Pensemos na hostilidade. E não esqueçamos a hospitalidade para com todos!