HOMILIA NO VI DOMINGO DA PÁSCOA C 2022 – 1 – Na perspetiva sinodal
1. A Carta, recolhida no livro dos Atos dos Apóstolos (At 15,21-24), é um texto inspirador para uma Igreja em processo sinodal. É uma Carta Pastoral que resulta do primeiro Concílio da Igreja em Jerusalém, ou, se quiserem, daquela primeiríssima Assembleia sinodal. De que trata esta Carta afinal? Trata da resposta a uma pergunta: “Os pagãos, estranhos à religião judaica, que se convertiam à fé cristã, teriam de cumprir as práticas antigas dos judeus, como a da circuncisão, para serem salvos” (At 15,1)? E, para responder a esta problemática, a Igreja não tem à mão um Código de Direito Canónico, com receitas detalhadas. Jesus deixou-nos apenas o Espírito Santo e nós (At 15,28), para discernirmos, em cada situação, à luz do Evangelho, a vontade de Deus.
2. Desta Carta, fruto da experiência pastoral, aprendemos três elementos essenciais para um Igreja sinodal, onde todos caminham juntos: a humildade da escuta, o exercício do discernimento, com a coragem da renúncia e da novidade.
2.1. A humildade da escuta:nesta assembleia sinodal, cada um deixa o outro falar e está disponível para mudar as suas próprias convicções. Só sabe ouvir quem deixa que a voz do outro entre verdadeiramente em si. E quanto mais cresce o interesse pelo próximo, mais aumenta o desinteresse por si mesmo. A humildade nasce quando, em vez de falar, ouvimos; quando deixamos de estar no centro. É por esta vereda de caridade que o Espírito desce e orienta. Isto implica, por exemplo, começar por ouvir os pequeninos, como era o caso de Barnabé e Paulo. Tinham chegado por último à Igreja apostólica, mas os «mais velhos», os que foram chamados diretamente por Jesus, deixavam-nos referir tudo o que Deus realizara por meio deles. É sempre importante ouvir a voz de todos, especialmente dos pequeninos e dos últimos e até dos chamados da última hora…
2. Esta escuta comum é fundamental para o exercício do discernimento, em dois sentidos, a saber: Primeiro: esta novidade na vida da Igreja representa o vinho novo, que vem do Espírito Santo, ou é uma novidade enganadora que provém do espírito deste mundo(cf. GE 166; 168)? Segundo: uma tal resistência em manter práticas antigas não virá das forças do mal, que sempre nos induzem a não mudar, a deixar as coisas como estão, a optar pelo imobilismo e pela rigidez e, assim, a impedir que atue o sopro do Espírito Santo? No discernimento, examina-se tudo, à luz do Senhor: o que há dentro de nós – desejos, angústias, temores, expetativas – e o que acontece fora de nós – os «sinais dos tempos» –, para se encontrar os caminhos da liberdade plena. A máxima do discernimento é esta: «examinai tudo e guardai o que é bom» (1 Ts 5, 21). Aqui, por exemplo, vemos bem como Paulo e Barnabé narram experiências, não partem de ideias feitas ou fixas. Fazem o discernimento, não à secretária e diante do computador, mas focados nas pessoas, sempre à luz do Evangelho. As pessoas, tal como o Evangelho, estão antes das leis, dos costumes e dos programas!
2.3. Daí a coragem da renúncia e da novidade.Para os primeiros cristãos o anúncio do Senhor vem antes de tudo e vale mais do que tudo. Também nós precisaremos de renunciar a nós mesmos e a tanta tralha, a tanta artilharia beata, a tanta quinquilharia devota, a tantas tradições, que impedem ou atrapalham o anúncio, a celebração e a vivência do Evangelho! Já não bastam mudanças cosméticas, em que se finge mudar algo para que nada mude, como quem enverniza madeira podre. A reforma fundamental é a do Evangelho, é sair de si mesmo ao encontro dos outros!
3.Este processo faz-se em conjunto.Na Igreja ninguém sabe tudo, ninguém tem oconjunto dos carismas, mas cada qual dispõe do carisma do conjunto. E assim a unidade predomina sobre as diferenças. Para cada um, em primeiro lugar, não estão as próprias preferências nem estratégias, mas o ser e o sentir-se Igreja de Jesus, reunida em volta de Pedro, na caridade que não cria uniformidade, mas comunhão. Estes primeiros cristãos tinham sensibilidades e orientações diferentes, e também personalidades fortes, mas tinham a força de se amar muito no Senhor.
4. Assim, queridos irmãos e irmãs: permanecer no Seu amor é a única forma de sermos diferentes, sem deixarmos de caminhar juntos, como amigos do Senhor. É assim mesmo que se constrói a sua Igreja, pondo em prática o que nos disse o Senhor: “Permanecei no Meu amor” (Jo 15,9).
HOMILIA NO VI DOMINGO DA PÁSCOA C 2022 – 2 – na perspetiva da Paz
“Deixo-vos a Paz. Dou-vos a minha Paz. Não como o mundo vo-la dá”(Jo 14,27)!
1. Esta Paz, dom do Ressuscitado, fruto do Espírito Santo, não é uma simples trégua no meio do combate. Essa Paz não é tampouco a manutenção de uma ordem tranquila. Essa Paz é o próprio Cristo, que continuará vivo e presente, oculto mas atuante. Jesus comunica aquela Paz, capaz de vencer toda perturbação, temor e inquietude. A paz que Jesus nos dá, na Sua Páscoa, não é a paz do mundo, alcançada através da força, da conquista ou de várias formas de imposição. Essa paz, na realidade, é apenas um intervalo entre guerras. A paz que Jesus Ressuscitado nos traz não é fruto de algum compromisso diplomático; ela nasce do dom de Si mesmo. Esta Paz, mansa e corajosa, que não acusa nem se vinga da morte é-nos difícil de aceitar, de acolher, de praticar. Esta paz de Jesus não domina os outros, nunca é uma paz armada: nunca! As armas do Evangelho, que Jesus nos ensinou a usar, da sua Paixão à gloriosa Ressurreição, são a oração, a ternura, o perdão e o amor gratuito ao próximo, o amor a todos, o amor aos inimigos, o amor capaz de reconstruir e de reconciliar. Esta é a forma de trazer a Paz de Deus ao mundo. É por isso que a agressão armada destes dias, na Ucrânia. como qualquer guerra, representa um ultraje contra Deus, uma traição blasfema ao Senhor da Páscoa, preferindo ao seu rosto manso a figura do falso deus deste mundo. A guerra é sempre uma ação humana para levar à idolatria do poder, seja ele de quem for.
2. Irmãos e imãs: A Paz é, sem dúvida, uma aspiração radical, que se encontra no coração de cada um. Precisa de Paz o nosso coração, quantas vezes ferido, órfão, magoado, triste, desamparado. Pode acontecer que alguém se sinta perseguido por doenças, pela agrura da pobreza, pela amargura da sua sorte ou da morte de um ente querido. Então «se queres a Paz, deixa-te consolar pelo Espírito Santo, cujo suave murmúrio ressoa bem dentro de ti. Fala com o teu Deus, a partir do lugar onde Deus te habita. É o seu Amor que te dá a paz»! No meio da prova, Deus exige de nós uma garantia de confiança. Se arriscarmos esta confiança, poderemos encontrar grande felicidade e a Paz verdadeira, virá ao nosso encontro, justamente no meio da grande escuridão. De Paz precisa também este nosso mundo, dilacerado por uma guerra seque imaginável; por vezes, parece um mundo perdido e dominado, pelo poder do mal, do egoísmo e do medo. O nosso mundo aspira verdadeiramente à Paz de Jesus: «uma Paz sem vencedores e sem vencidos» (Sophia M. Breyner).
3. Rezemos sempre pela Paz. Rezemos para que a guerra termine também dentro de nós e com quem nos rodeia, para que a nossa resposta ao mal seja sempre o bem. Rezemos para alcançar do Senhor um coração novo, que as nossas mãos são incapazes de criar.Rezemos para nos colocarmos do lado de Deus e da Paz que Ele deseja. Rezemos para exercitarmos e alcançarmos a confiança que nos faz manter de pé, mesmo quando a nossa vida ou à vida à nossa volta são abaladas. Rezemos, neste mês, com Maria, porque Ela acompanha-nos continuamente nesta luta pela Paz, com a coragem e a confiança, de que «o Príncipe deste Mundo», não vencerá, o mal não prevalecerá. Ela permite-nos avançar mesmo quando surge o fracasso!
4. Rezemos com o Papa Francisco, na sua recente oração de consagração da Rússia, da Ucrânia e do mundo ao Imaculado Coração de Maria:
“Maria, Estrela do Mar,
não nos deixeis naufragar na tempestade da guerra.
Maria, arca da nova aliança,
inspirai projetos e caminhos de reconciliação. Maria, «terra do Céu»,
trazei de volta ao mundo a concórdia de Deus.
Apagai o ódio, acalmai a vingança,
ensinai-nos o perdão, libertai-nos da guerra,
preservai o mundo da ameaça nuclear.
Mulher do sim, sobre Quem desceu o Espírito Santo,
trazei de volta ao nosso meio a harmonia de Deus.
Tecestes a humanidade para Jesus,
fazei de nós artesãos de comunhão.
Caminhastes pelas nossas estradas,
guiai-nos pelas sendas da paz.
Ámen”.
Homilia no VI Domingo de Páscoa C
3 – Na perspetiva mariana
1.º ano | Grupo Ana Luísa | Entrega da Ave-maria
1.Com uma casa, do tamanho do mundo, Deus procura, em nós, a sua morada! Aquele que veio habitar, entre nós, quer agora morar bem dentro de nós. Quer hospedar-se, no coração de cada um. Está à porta e bate, para entrar no mais íntimo de nós mesmos! E só pede para Lhe abrirmos, de par em par, todas as portas, para acolhermos a Sua presença e proximidade, e assim conhecermos, na intimidade, a beleza do Seu grande amor por nós. Ele quer, por isso, habitar em nós, e quer-nos habitados n’Ele! Quer fazer de nós o templo vivo da sua morada, quer iluminar-nos, bem por dentro, com a intensa luz da sua Palavra e com o fogo do seu amor. Talvez Ele não encontre em nós, mais do que um simples casebre, mas, ainda assim, contenta-se com a pobreza da nossa hospitalidade!
2.Para que o Amor do Pai e do Filho possa estabelecer, em nós, a sua morada, precisamos então simplesmente de abrir as portas, todas as portas que há no nosso coração e, que tantas vezes, estão blindadas, trancadas ou obstruídas, pela perturbação, pelo medo, pela inquietação, pela ansiedade, pelo egoísmo e por tantas coisas, que nos encerram dentro do nosso próprio mundo. Mas Ele mesmo indica-nos hoje duas chaves, para abrir, nos corações, a porta da fé. No Evangelho de hoje, estas chaves são a Palavra e o Amor. São, ao fim e ao cabo, duas faces da mesma realidade, pois Aquele que O ama guardará a sua Palavra!
3.Neste domingo de maio, com a Entrega da Ave-maria, olhemos para Maria: Ela traz nas mãos estas mesmas chaves, para nos ajudar a abrir nos corações a porta da fé! Maria acolhe, com alegria, a Palavra semeada no seu coração, quando diz, na anunciação: «faça-se em mim segundo a Tua Palavra» (Lc 1,38). Mais, esta Palavra faz morada em seu coração! E, mesmo depois de dar à luz, Maria “guardava” esta Palavra, aliás, ponderava, meditava, relacionava, dialogava, dentro de si mesma, com todas as palavras e acontecimentos, que diziam respeito a Jesus (Lc 2,19.51). Maria é verdadeiramente “a casa dos segredos” de Jesus, a arca de todas as suas recordações. Ela é, por assim dizer, o álbum de recordações de Jesus, a memória viva da Igreja.
4.Como Maria, cada mãe, cada pai, guardará, por certo, a história mais bela de cada Filho. Mas, como Maria, cada mãe cristã, cada pai cristão, deve guardar também, no coração, a Palavra de Jesus, para a ensinar e recordar aos próprios filhos! Quem dera que os filhos pudessem beber, com o leite materno e com a carícia do pai, a doçura e a ternura do amor de Deus. Quem dera que os filhos pudessem aprender a soletrar as palavras do Evangelho, nas vossas canções de embalar! De modo, que no colo de Sua mãe, nos braços de seu pai, cada um aprendesse, a confiar-se e a entregar-se a Deus, numa entrega filial e amorosa, que dá alegria e paz ao coração. Por isso, rezemos juntos:
Senhor Jesus:
Que o Espírito do Teu Amor
nos habite e faça de nós a Sua morada
como o fez no seio de Maria.
Que o Espírito do Teu Amor
leve ao nosso coração
e grave na nossa mente
cada palavra do Teu Evangelho,
como em Maria, que guardava
todas as palavras no Seu coração.
Que o Espírito do Teu Amor,
pela oração diária da Ave-maria,
nos liberte do medo, nos dê a Paz e a alegria.
Ámen.