Homilia no VIII Domingo Comum C 2022
“A boca fala do que transborda do coração” (Lc 6,45)!
1. E de facto, assim é. Às vezes, ainda nos iludimos com a imagem, a aparência ou o visual de certa e determinada pessoa, mas quando ela abre a boca e começa a falar, é então que se revela a riqueza ou a pobreza do seu interior, porque a boca é uma espécie de caixa de ressonância do coração: se o coração é manso e humilde e está cheio de coisas boas, as palavras são raras, doces e belas; se o coração está vazio, as palavras são ocas, ruidosas e a mais; se o coração está minado ou contaminado por maus sentimentos, as palavras são flechas de veneno, que sujam, ferem e matam.
2. Pelo que não é nada virtuoso ter o coração perto da boca – como se diz na gíria popular – mas será mais necessário ter a boca perto do coração.
Quando a boca está perto do coração, a pessoa não diz tudo o que pensa nem diz mal, mas pensa bem tudo o que diz e diz bem, bendiz.
Quando a boca está perto do coração, a pessoa não diz tudo o que lhe apetece e o que lhe vem à cabeça, mas vê o modo como fala e mede também a capacidade do seu interlocutor para suportar tudo o que tem para lhe dizer.
Quando a boca está perto do coração, a pessoa sabe quando deve falar e quando deve calar: só por amor calar, só por amor falar. É o amor que dá à palavra o seu tempo certo e o seu modo justo. A palavra, feita de crítica e de contestação, só é verdadeira se nasce do amor de Deus em mim, pelos outros. Por isso, a verdade diz-se na caridade (Ef 4,15). Não se pode corrigir uma pessoa sem amor, como não se pode fazer uma cirurgia sem anestesia: o paciente morreria de dor. O amor, com que se fala, é como uma anestesia que ajuda o outro a receber o tratamento e a aceitar uma correção fraterna.
Quando a boca está perto do coração, também há humildade e discrição no falar. O que eu tiver a dizer ao outro, não o direi por ter toda a razão do mundo nem o direi como palavra de salvação; o que eu tiver de mais difícil a dizer ao outro, não o direi pelo prazer de maldizer ou pelo gosto de falar de cima da burra, até porque tenho defeitos bem maiores, mas serei discreto, direi em voz submissa, porque um e outro, ambos precisamos de retomar juntos o caminho do Evangelho.
3.Estas breves considerações são especialmente oportunas, por duas razões: a primeira, porque estamos a fazer um percurso sinodal: somos chamados a tomar a palavra, a falar com coragem, mas também a escutar com humildade, deixando-nos transformar pela escuta. A segunda é porque estamos às portas da Quaresma, que nos desafiará a escutarmos mais o outro do que a falarmos de nós mesmos: será um tempo favorável para refrear a língua, calar e poupar nas nossas palavras, para dar lugar prioritário à Palavra de Deus, no coração da nossa vida.
4. Peçamos então ao Senhor esta abertura do coração à voz de Deus, que nos chega através da escuta da Palavra das Escrituras, da escuta dos irmãos e da escuta dos acontecimentos da vida de cada dia. Esta escuta é, por certo, a melhor terapia da fala. Só ela nos permitirá falar do coração ao coração! É precisamente desse modo, do coração ao coração, que Cristo nos fala; logo, é só desse modo que deve falar um cristão.