Homilia no VII Domingo Comum C 2022
1. Esta página do Evangelho parece-nos um caderno de encargos de uma empreitada, para a qual não temos alvará de construção! Na gíria popular – diríamos – que isto é areia de mais para a nossa camioneta. E, no entanto, Jesus faz esta proposta não à Liga dos campeões da moral, não aos Anjos do céu ou às aves raras da terra, mas a um grupo simples e humilde de discípulos, a quantos O escutavam, ali na planície, a homens e mulheres, de carne e osso como nós.
2. Obviamente, a execução deste programa não é obra nossa. Isto só é possível, na amizade e na intimidade com Jesus. Só na medida em que os nossos sentimentos se vão conformando aos de Jesus, só na medida em que a nossa vontade se vai tornando a d’Ele, é que é possível amar assim, amar os inimigos, perdoar sempre, dar sem esperar nada em troca. Não pensemos, pois, em cumprir este programa, sem uma profunda união a Cristo. Não se pode ser cristão sem Cristo. Razão tinha Santo Agostinho ao rezar: «Dá-me Senhor, o que pedes. E pede o que quiseres».
3. Irmãos e irmãs: o perdão é talvez o osso mais difícil de roer em toda esta página evangélica. Partilhemos, por isso, cinco orientações, para encetarmos juntos, este caminho do perdão, com realismo e esperança.
1.º É importante entendermos e aceitarmos os sentimentos de ira, rebelião ou agressividade, que imediatamente nascem em nós, perante uma ofensa. Estamos feridos. E a tendência é multiplicarmos as culpas do outro, ampliarmos as ofensas recebidas, deixarmos crescer o rancor e o ressentimento, alimentarmos a sede de vingança. É o homem terreno que assim se revela, ferido pelo pecado. Assumamos esta ferida aberta, para a podermos tratar e curar.
2.º O perdão é sempre devido ao outro, mas também nos faz falta a nós perdoar. Perdoaremos o outro, não primeiramente porque o outro o mereça ou porque nos apeteça. Mas dispor-nos-emos a perdoá-lo, para nosso próprio bem, para não alimentarmos o vírus do rancor. Perdoaremos para alcançarmos paz na vida, saúde do corpo e da alma. Se permitirmos a entrada de um mau sentimento, daremos lugar ao ressentimento que se aninha no coração.E isso tornar-nos-á ainda mais infelizes, mais maldosos que o nosso agressor. Pela nossa saúde corporal e espiritual, não deixemos que o ódio nos mine e contamine o coração!
3.º O perdão não anula a justiça, não faz tábua rasa dos nossos direitos, da defesa da nossa dignidade, não esquece nem se dispõe a branquear o pecado e o passado. Perdoar é sobretudo uma atitude positiva, que procura compreender a fraqueza alheia e sabe tirar do mal recebido um bem maior, para assim recordar o passado de modo diferente, já libertos do mal. Carregar na ferida não ajuda a curá-la. Esquecê-la é enfaixá-la sem a tratar. Amá-la é o único tratamento adequado.
4.º Perdoar exige tempo. Quem perdoa depressa, não perdoa de verdade. Em geral, o perdão é o fim de um processo em que intervêm também a sensibilidade, a compreensão, a lucidez e a fé em Deus Pai, de cujo perdão vivemos. Quantas vezes sentimos como é difícil perdoar e isso mesmo nos ajuda a assumir que também nós vivemos da paciência e do perdão de Deus. Se aceitarmos que o amor de Deus é incondicional, então poderemos, graças a Ele, perdoar aos outros.
5.º O lugarmais importante e mais difícil para o perdão é a nossa casa. A ofensa de alguém a quem mais amamos dói muito mais. E custa ainda mais a curar. Mas só o perdão, é o dom perfeito que supera a justiça, a dádiva gratuita que ultrapassa o merecimento, a nova oportunidade que promove e incentiva o outro a levantar-se do chão. Sem o perdão, a nossa casa torna-se um espaço de alta tensão. Com o perdão, a vida em família é um lugar de compreensão, de companhia e incentivo. Alicada pessoa saberá que é amada, sem preço e sem condição. Se ofendermos, se cairmos, saberemos que poderemos voltar a casa e encontrar quem cure as nossas feridas e nos sente à mesa do diálogo, da paz, do pão e do perdão.
Rezemos então hoje e sempre: Dai-nos, Senhor, o perdão como o pão de cada dia!