Homilia no III Domingo da Páscoa B 2021
O Evangelho deste domingo evidencia três dimensões muito importantes para desconfinarmos a Páscoa e tornarmos possível, real e não virtual, o nosso encontro com Cristo Ressuscitado: a comunidade, a corporeidade, a comensalidade.
1. A comunidade: Os discípulos de Emaús regressam à comunidade primeira, ao grupo dos onze Apóstolos, donde tinham desertado. Ali dão testemunho do seu encontro com Cristo no caminho de Emaús e, em casa, ao partir do Pão. Ali recebem o testemunho dos outros Apóstolos, que viram o Senhor. Ali, juntos, em comunidade, fazem a experiência de Cristo, que está no meio deles, desse Cristo que os precede no caminho e os preside à mesa. Sozinhos, duvidam. Sozinhos, não sabem se estão a sonhar, a delirar, a ver um fantasma. É no encontro e no confronto, no seio de uma comunidade viva, que podem realmente crescer na fé e no testemunho. Ninguém pode dispensar-se da comunidade. “Ninguém pode encontrar a vida isoladamente; precisamos de uma comunidade que nos apoie, que nos auxilie, e dentro da qual nos ajudemos mutuamente a olhar em frente. Sozinho, corres o risco de ter miragens, vendo aquilo que não existe; é juntos que se constroem os sonhos” (FT 8), é juntos que se faz comunidade! Que este pensamento nos ajude a vencer a ilusão de que podemos confinar a fé ao recanto da nossa casa, de que não precisamos de uma comunidade reunida, como grande família de irmãos.
2. A corporeidade: O relato desta aparição do Ressuscitado insiste muito na importância do corpo, das mãos e dos pés, da carne e dos ossos de Jesus.O corpo não é um obstáculo, nem uma prisão da alma. Por isso, uma fé viral e virtual, imaginária, desencarnada, que dispense o corpo e os seus sentidos, é apenas um ilusório sentimento religioso. A vida cristã não se realiza fora desta esfera corpórea e material, porque em Jesus Cristo, o Verbo fez-Se Carne e a nossa carne tornou-se via de salvação. Por isso, rezamos e celebramos também com o corpo: o corpo entra na oração e participa na liturgia, porque esta é acontecimento, é presença real, é encontro pessoal com Cristo. Ora, Cristo torna-Se presente, no Espírito Santo, através dos sinais sacramentais da água, do azeite, do pão e do vinho, que nos lavam, perfumam, alimentam, curam e fortalecem. Não podemos participar na liturgia a meio corpo, mas de corpo inteiro, através dos sentidos ampliados pela fé: o ouvido, a visão, o tato, o olfato, o paladar. A Eucaristia, por exemplo, não pode ser só ouvida, como se nós fôssemos meros espectadores. Ela requer os olhos e a visão da fé, ela dá-nos o pão a comer e a saborear. Ela requer-nos de corpo e alma.
3. Comunidade e corporeidade convergem na comensalidade. Precisamos de nos encontrar à mesa da Eucaristia. Jesus disse-lhes: «Tendes aqui algo para comer?» (Lc 24,41). É sempre na sala da Ceia, a comer e à volta de uma mesa, que o Ressuscitado Se manifesta. É ao partir do pão que os discípulos O reconhecem vivo e ressuscitado. Este alimento à mesa não pode ser substituído por pastilhas eletrónicas.Não podemos ficar satisfeitos com uma Missa pela televisão, pelo Facebook, como não podemos matar a fome a ver programas do MasterChef. Na verdade, um cristianismo sem liturgia, sem corpo e sem comunidade, é também um cristianismo sem Cristo, sem corpo e sem alma.
Fique então claro para todos, agora que começamos a desconfinar: «Uma familiaridade com Cristo sem comunidade e sem pão, sem povo e sem sacramentos, é perigosa. Pode tornar-se uma familiaridade gnóstica» (Papa Francisco, Homilia, 17.04.2020), isto é, aparente, sem consistência, sem vitalidade real. Tenhamos, por isso, cuidado em não nos acomodarmos ao sofá das transmissões das celebrações pela internet ou pela TV. «Cuidado para não viralizar a Igreja, os sacramentos, o povo de Deus. A Igreja, os sacramentos, o povo de Deus… são concretos», são matéria, são para gente de carne e osso. Desconfinemos a Páscoa. Voltemos, com alegria, à comunidade, de corpo e alma, à mesa da Eucaristia.