Homilia no IV Domingo Comum B 2021
1.“Não me chateies que eu agora estou na lua”! Este bem podia ser o refrão musical do homem com um espírito impuro que se põe aos gritos na sinagoga, a vociferar contra Jesus: “Que tens tu a ver connosco, Jesus de Nazaré? Vieste para nos perder?” (Mc 1,24). Podíamos chamar-lhe vários nomes, mas eu até o podia batizar com esta alcunha: “Aquele que não quer que o chateiem”. É um homem completamente divido, dilacerado, alienado, ocupado abusivamente por um espírito divisor, acusador, que o fragmenta e atormenta por dentro. O nosso homem, se por um lado, reconhece estar diante de Jesus, a quem chama o «Santo de Deus» (Mc 1,24), por outro, não quer deixar que o mesmo Jesus entre na sua vida: “Que tens tu a ver connosco?”, diz ele, como quem diz a Jesus: “Que há entre ti e mim?; Mete-te na tua vida, deixa-me em paz, não me chateies que eu agora estou na lua, estou fora de mim”. Na verdade, quanto maior é o fulgor da santidade de Jesus, que irradia da coerência entre o que é, diz e faz, tanto mais se adensam as sombras e divisões do seu pecado, as forças destrutivas que o impedem de ser livre, de ser ele mesmo. Diria, numa palavra, que este homem sofre de esquizofrenia espiritual: por um lado, reconhece a glória divina de Jesus, mas por outro, não quer nada com Ele.
2.O contraste de luz e sombras não podia ser maior. Jesus, na Sua santidade divina, é a plenitude do ser humano, a harmonia perfeita e a coerência total entre a imagem e a mensagem, entre a palavra e as obras. O homem com espírito impuro é, ao invés, a imagem da incoerência entre o que parece e o que é, entre a sua fé professada com os lábios e as escolhas concretas da sua vida. Neste homem, como aliás, nos escribas, que dizem uma coisa e fazem outra, está bem patente esta doença tão atual de uma certa esquizofrenia existencial. É a doença daqueles que vivem uma vida dupla, uma vida mundana, obcecada pela aparência, uma vida de fachada! É a vida de muitas pessoas centradas e fechadas sobre si mesmas, escondidas numa aparência religiosa, mas vazia de Deus. Estas pessoas criam um mundo paralelo ao seu, onde põem de lado tudo o que ensinam severamente aos outros e começam a viver uma vida escondida e muitas vezes dissoluta (Papa Francisco, Discurso à Cúria, 22.12.2014; cf. EG 95).
3.Não pensemos estar imunes a este vírus, que provoca esta doença da dupla personalidade. Porque ele atinge-nos e os sintomas manifestam-se sempre que nos dizemos cristãos… e vivemos, na prática, como se Deus não existisse, como Se Ele não contasse para nada, quando chega a hora de agir, de escolher, de decidir, de O testemunhar. A falta de autoridade, dos políticos, dos sacerdotes, dos pais, dos educadores, vem sempre daqui: da incoerência, do desfasamento, do desencontro entre ser e parecer, entre dizer e fazer, entre o que se impõe aos outros e o que se vive para si mesmo. A autoridade do político, do educador, do pai e da mãe, do evangelizador, pelo contrário, vem da coerência, do esforço de unidade e de sintonia entre o ser, o dizer e o fazer. “Sem coerência não é possível educar! Não há delegações nesse campo” (Papa Francisco, Respostas às perguntas dos representantes das escolas dos Jesuítas na Itália e na Albânia, 07.06.2013). “A coerência é um fator indispensável na educação. Coerência! Não se consegue fazer crescer, não se pode educar, sem coerência. Coerência e testemunho” (Papa Francisco, Discurso, 13.02.2014).
4.Caríssimos irmãos e irmãs: precisamos muito de educadores cristãos e de cristãos educadores, coerentes, credíveis, testemunhas luminosas, que irradiem a beleza da santidade, do bem e da verdade. Que o Senhor faça surgir, do meio de nós, profetas, educadores e testemunhas que, ao jeito de Moisés e no seguimento de Jesus, sejam, ao mesmo tempo, imagem e mensagem, palavra que realiza e obra que fala por si. Peço-vos isto, como Paulo, “tendo em vista o que mais convém e nos pode unir ao Senhor, sem desvios” nem divisões! Sem esquizofrenia existencial, mas na busca incessante da unidade e da harmonia.