Homilia – Quinta-feira Santa 2020 – Hospital Cuf Porto
1. Jesus levantou-se da mesa e tirou o manto, para lavar os pés (Jo 13,4), realizando assim o serviço humilde da hospitalidade, que era devida aos hóspedes, e trabalho dos escravos. Um gesto inesperado e, de tal modo perturbador, que Pedro não queria aceitá-lo.
2. O Senhor faz-se Servo e deixa-nos o exemplo maior do “Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida” (Mt 20,28). O exemplo mais tocante vem de cima e começa por baixo: o gesto do lava-pés.
3. Deste modo, Jesus indica aos discípulos o serviço como caminho a percorrer, para viver a fé n’Ele e dar testemunho do Seu amor. Lavando os pés aos apóstolos, Jesus quis revelar o modo de agir de Deus, em relação a nós, e dar o exemplo do Seu «mandamento novo» (Jo 13,34), de nos amarmos uns aos outros, como Ele nos amou, ou seja, dando a vida por nós. Deus salvou-nos, servindo-nos. Geralmente pensamos que somos nós que servimos a Deus. Mas não; foi Ele que nos serviu gratuitamente, porque nos amou primeiro. É difícil amar, sem ser amado; e é ainda mais difícil servir, se não nos deixamos servir por Deus.
4. Neste Jesus, que ao lavar os pés realiza a tarefa do escravo, revela-Se já, como sinal profético, o rosto do Filho de Deus “que não Se valeu da Sua condição divina, mas assumiu a condição de servo; aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais até à morte e morte de cruz” (Fl 2,7-8). Hoje contemplamo-lo como o Servo de Deus, que lava os pés aos discípulos; amanhã, Sexta-feira Santa, Ele ser-nos-á apresentado como o Servo Sofredor e vitorioso (cf. Is 52, 13). No domingo de Páscoa, Ele aparecer-nos-á como Servo glorificado, que passou fazendo o bem e a quem Deus ressuscitou dos mortos. Sempre, o Cristo, Servo de Deus.
5. E o exemplo de Jesus torna-se para nós um mandato: “Como eu vos fiz, fazei-o vós também” (Jo 13,15), associando a este gesto o mandamento novo do amor. Deste modo, o exemplo de Jesus e o mandamento novo do amor ensinam-nos a não lutarmos pelo primeiro lugar, pelos lugares de poder, a não procurarmos o primeiro lugar nas mesas das nossas importâncias e senhorias. Aprendamos com Jesus a lutar pela toalha, a lutar pelo serviço. Não teremos problemas com a concorrência!
6. O drama que estamos a atravessar neste período de pandemia, impele-nos a redescobrir que a vida não serve, se não se serve. Porque a vida mede-se pelo amor. Olhai bem para os verdadeiros heróis que vêm à luz nestes dias de pandemia: não são aqueles que têm fama, dinheiro e sucesso, mas aqueles que se oferecem para servir os outros. São pessoas comuns (habitualmente esquecidas), que não aparecem nas manchetes dos jornais e revistas, nem nas grandes passarelas do último espetáculo, mas que hoje estão, sem dúvida, a escrever os acontecimentos decisivos da nossa história: sois vós, médicos, enfermeiros e enfermeiras, e também o pessoal administrativo, da limpeza, da segurança, os trabalhadores dos supermercados, curadores, os transportadores, as forças policiais, os voluntários e tantos outros anónimos, que compreenderam que ninguém se salva sozinho! A vida destas pessoas consiste em servir, ajudar. E isto é amor! Na verdade, o amor é o serviço concreto que prestamos uns aos outros. O amor não são palavras; são obras e serviço. Servir é doar-se, doar-se aos outros. Servir não é esperar para cada um de nós qualquer outro benefício que não seja servir. Estamos no mundo, para amar a Ele e aos outros: o resto passa, isto permanece.
7. Gosto de imaginar que se o bom Jesus pusesse um anúncio a chamar pessoas para se tornarem seus discípulos, poderia dizer algo de parecido com isto: “procuram-se amigos e lavadores de pés” (Card. Sean O’Malley, Procura-se amigos e lavadores de pés, Ed. Paulinas 2019, pp. 9-10.96).
8. Irmãos e irmãs: senti-vos chamados a arriscar a vida. Não tenhais medo de a gastar por Deus e pelos outros! Estará aí o ganho da própria vida. Porque a vida é um dom que se recebe doando-se. E porque a maior alegria é dizer sim ao amor, sem “se” nem “mas”, como fez Jesus por nós: amando-nos, servindo-nos, num excesso de amor, num amor até ao fim. E seremos felizes se o pusermos em prática (cf. Jo 13,17)!