Homilia no V Domingo Comum A 2020
«Vós sois o sal da terra. Vós sois a luz do mundo» (Mt 5,13-14)!
1.Sal e luz são duas belas imagens da graça e da missão, que brotam do nosso Batismo. Hoje fixemo-nos sobretudo na imagem do batizado, chamado a ser «sal da terra». Curiosamente, no antigo Ritual Romano do Batismo de crianças, anterior ao Concílio [e ainda agora nos ritos de admissão dos catecúmenos ao Batismo (RICA 89)] estava previsto que o Celebrante colocasse alguns grãos de sal na boca do batizando, dizendo estas palavras: “N., recebe o sal da sabedoria; que ele te seja propício para a vida eterna”.
2.Compreenderemos melhor o alcance das palavras de Jesus «Vós sois o sal da terra» (Mt 5,13)e o significado deste rito pré-batismal, se compreendermos as qualidades e as utilidades do sal. É o sal que serve de condimento à comida; ele dá gosto e sabor aos alimentos. É o sal que purifica, eliminando certas impurezas. É o sal que conserva as carnes e resguarda os alimentos. É o sal que preserva da corrupção. É o sal que cura as feridas mais profundas. Na cultura judaica, o sal selava os compromissos mais solenes! Ainda hoje falamos de “salário”, palavra que tem «sal» na sua raiz, porque o sal foi usado como moeda de troca e de pagamento. Destas qualidades, destaquemos apenas duas, que definem a nossa missão na própria terra:
2.1. O sal serve de condimento aos alimentos. Quando não há sal na comida dizemos que ela “não sabe a nada”, não tem sabor. Todavia, bastam uns grãos de sal diluídos para lhe dar novo gosto e outro sabor. Esta imagem recorda-nos que, através do Batismo, todo o nosso ser foi profundamente transformado, porque «temperado» com a vida nova, que vem de Cristo (cf. Rm 6,4). Este «sal» evidencia que a sabedoria do Evangelho, mais do que uma sabedoria humana é um sabor divino, que dá à vida um outro gosto, uma outra graça, uma nova alegria. Ser "sal da terra" significa trazer à terra essa "qualquer coisa mais" que o mundo não tem e que dá novo sabor à vida dos homens. Se viéssemos a perder este sabor gostoso do Evangelho, tornarmo-nos-íamos uma espécie de cristãos insossos, sem graça nem gosto. Ora, a Igreja não irá em frente com evangelizadores enfadonhos, amargurados, enxabidos. Somente irá em frente com evangelizadores alegres e cheios de vida. O sal da alegria é, pois, um ingrediente fundamental no anúncio e no testemunho do Evangelho! Não estaremos a precisar de mais uma pitada de sal, na nossa vida cristã para tornar a missão na nossa terra ainda mais saborosa?
2.2. É o sal que preserva da corrupção e, por isso, define também o nosso dever de transparência e de seriedade, no meio de uma sociedade permissiva e corrupta. O cristão está na primeira linha do combate à corrupção. É pecador, sim. Mas corrupto, não. A corrupção é o cancro da democracia, é o verdadeiro coronavírus destruidor do tecido das relações humanas, na sociedade e na comunidade cristã. Não nos damos conta do “mau hálito” provocado pela corrupção, que começa por coisas simples. Por exemplo, “uma gratificação a troco de um pequeno favor pode ser o primeiro passo para uma cultura que desculpa o suborno, o tráfico de influências e a aquisição indevida de vantagens (…) Não podemos desvalorizar as consequências sociais dos nossos comportamentos no recurso à «cunha», à obtenção de vantagens que nos são indevidas e à retribuição de pequenos favores. Temos, cada um, de proceder com a mesma transparência que exigimos a todos na obtenção de um emprego ou na luta por uma promoção, um salário justo ou um prémio laboral” (CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA, Carta Pastoral «Um olhar sobre Portugal e a Europa à luz da doutrina social da Igreja», n.º 2.1, de 02.05.2019). Teremos a coragem de marcar a diferença com o sal da verdade e da coerência, da honestidade e da transparência? Ou estamos tão habituados a justificar tudo e o seu contrário, que a nossa vida está já em decomposição espiritual?
3. Irmãos e irmãs: Não tenhamos medo de carregar neste sal! Vale mais a tensão espiritual alta, do que entrar em coma espiritual profundo!