Morte e ressurreição não são, em geral, tema de conversa ou matéria de reflexão. Sobre estes temas abateu-se um verdadeiro “apagão”. Preferimos falar dos valores humanos ou das dimensões sociais da nossa fé.
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Homilia no XXXII Domingo Comum C 2019 – 1.ª versão
1. Morte e ressurreiçãonão são, em geral, tema de conversa ou matéria de reflexão. Sobre estes temas abateu-se um verdadeiro “apagão”. Preferimos falar dos valores humanos ou das dimensões sociais da nossa fé. Mas temos sérias dificuldades em penetrar no coração da nossa fé cristã e enfrentar o tema nuclear da morte e da ressurreição. A morte tornou-se hoje uma espécie de novo tabu, arrumado no baú das coisas inúteis ou incómodas, do antigamente. A morte tornou-se uma grande bofetada, na nossa ilusão de omnipotência. O mundo da aceleração infinita, da rapidez, não permite pausas ou interrupções e, assim, a cultura mundana tenta anestesiar-nos com a ilusão da eterna juventude, do sucesso, do progresso ou do prazer, para esquecer as questões do fim último da vida. Mas, como disse há dias o Papa a um grupo de jovens, “o esquecimento da morte é também o seu início. Aquele que esquece a morte já começou a morrer. E, por isso, manter aberta a pergunta sobre a morte, talvez seja a maior responsabilidade humana, para manter aberta a pergunta sobre a vida”. Por contraditório que pareça, é a morte que permite que a vida permaneça viva! Pensemos nisto: é o fim da escrita de uma história que permite que esta seja compreendida; é o fim de uma pintura que oferece a beleza de um quadro; é o fim de uma construção que torna uma casa bela e habitável… Quanto mais fugirmos de enfrentar a morte, como finalização e coroação da própria vida, tanto mais se apagará do nosso horizonte de fé a grande esperança da ressurreição!
2. Eis porque até mesmo os saduceus – que negavam a ressurreição – fazem uma pergunta inquietante a Jesus. Propõem o caso anedótico de sete irmãos que, sucessivamente, tomariam por esposa a mesma mulher, para Lhe perguntar: “De qual destes será ela esposa na ressurreição?”. Jesus responde que a vida depois da morte não tem os mesmos parâmetros da vida terrena. A vida eterna é uma vida nova, uma vida qualitativamente diferente, “uma mudança para o andar de cima”, uma vida que se projeta noutra dimensão e, por isso, “os filhos da ressurreição não se casam nem se dão em casamento”. Por conseguinte, não é esta vida que serve de referência à eternidade, mas é a eternidade que ilumina e confere esperança à nossa vida terrena! Isto não implica o desprezo da vida presente; pelo contrário, a feliz esperança da ressurreição leva-nos a prestar atenção não apenas ao final da nossa história, mas a cada pequeno fim da nossa vida quotidiana; leva-nos a cuidar do final de cada palavra, de cada silêncio, de cada gesto de amor, como se fosse a última vez. Só uma vida que é consciente deste instante que termina, pode tornar este instante eterno! Façamos de cada instante um alvorecer da ressurreição!
3.Irmãos e irmãs: este olhar projetado para a ressurreição deve levar-nos a realizar opções que tenham o sabor da eternidade! E, entre essas opções, está a de ser padre, desta forma radical, numa vida em celibato, numa entrega indivisa do coração, imitando e seguindo a Cristo, que afinal também não casou! O Padre, que vive com alegria o seu celibato, é um sinal, para os filhos deste mundo, daquela vida nova em que os filhos da ressurreição já não se casam nem são dados em casamento. Com esta escolha, o Padre mostra, como o fizeram de forma tão corajosa aqueles sete irmãos, que só Deus é o Senhor e o Absoluto inviolável da nossa vida, que só Cristo é o nosso Amor perfeito; que só o Espírito do seu Amor nos consola até ao fim. Tudo o resto, mesmo a alegria do amor em família, é absolutamente sacrificável, na perspetiva da vinda do Reino de Deus. Fazem-nos falta os padres, não apenas pelo que fazem, mas sobretudo pelo que são e, mais ainda, pelo incómodo das interrogações com que a sua vida nos interpela a todos: Porque vivo? Para quem vivo? O que me faz viver? Para quem sou eu (CV 286)? Na verdade, querido irmão, querida irmã, querido menino, querida menina, querido jovem, querida jovem: “Quando o Senhor suscita uma vocação não pensa apenas naquilo que tu és, mas em tudo aquilo que poderás chegar a ser” (CV 289). O Padre é um sinal de que tu podes ir mais além e até ao mais Além, até à plenitude da própria vida, no coração de Deus, para quem todos vivem.
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Homilia no XXXII Domingo Comum C 2019 – 2.ª versão
- Estamos no outono. A Natureza parece morrer, mas sabemos que há de florir na primavera. A queda das folhas lembra-nos que também a nossa vida é caduca e há de ser lançada como semente à terra, para vir a frutificar. Neste tempo, somos mais frequentemente convocados pela morte de pessoas amigas e familiares, que fizeram parte do nosso caminho. Mas, apesar de tudo isto, e de muitas velas no cemitério, há hoje uma espécie de “apagão” à volta das questões do final da vida, da morte e da ressurreição. Vede: trocámos os primeiros dias deste mês, dias de reflexão, dias de Todos os Santos e de Fiéis Defuntos, pelo carnaval do outono, com a festa do Halloween. Como é raro ver-se uma criança ou um jovem a rezar junto de um familiar que morreu ou a participar no seu funeral! A morte deixou de ser caseira, deixou de nos ser familiar. Cada vez mais a morte se torna uma espécie de tabu, algo proibido, arrumado no baú das más recordações. Estamos tão iludidos com os progressos das tecnologias, que julgamos não vir a morrer.
- Ora, pensemos bem: se deixarmos de questionar a morte, acabaremos também por desistir de procurar o sentido da vida. Se deixarmos de enfrentar a morte, escondendo-a ou ignorando-a, acabaremos também por deixar de esperar na Ressurreição. E se deixarmos de colocar no centro da nossa fé a esperança da ressurreição então Cristo só interessará para a vida presente. Em última análise, estamos a dizer que Cristo não ressuscitou. E então é vã a nossa fé. Mas não. Não mesmo.
- Vede que nem sequer aqueles que diziam não acreditar na ressurreição, escapam às grandes perguntas sobre o sentido e o fim da vida e da morte. Na resposta, Jesus é bem claro: Sim: há mesmo ressurreição e por isso os filhos de Deus não nascem para morrer, mas morrem para ressuscitar. Não: a ressurreição não é um prolongamento do jogo da vida presente. É uma vida nova, uma vida transformada, como a de uma semente lançada à terra, que morre para frutificar. A vida eterna implica “uma mudança para o andar de cima”, projeta-nos noutra dimensão e, por consequência, “os filhos da ressurreição não se casam nem se dão em casamento”! Isto são realidades de cá e não do Além.
- Todavia, esta feliz esperança da ressurreição nunca nos levará a desprezar a vida presente; levar-nos-á antes a cuidar bem de cada palavra, de cada silêncio, de cada gesto de amor, a fazer cada coisa como se fosse a última vez!
- Irmãos e irmãs: este olhar projetado para a ressurreição deve levar-nos a fazer escolhas que tenham o sabor da eternidade! E, entre essas escolhas, está a de ser padre, sem esposa e filhos, imitando e seguindo a Cristo, que afinal também não casou! O Padre é um sinal daquela vida nova em que “os filhos da ressurreição já não se casam nem são dados em casamento”. Com esta escolha, o Padre mostra, como o fizeram aqueles sete irmãos, que só Deus é o Senhor e o Absoluto da nossa vida, que só Cristo é o nosso Amor perfeito; que só o Espírito do seu Amor nos consola até ao fim.
- Fazem-nos falta os padres, não apenas pelo que fazem por nós, mas sobretudo pelo que são e mais ainda pelo incómodo das interrogações com que a sua vida nos interpela a todos: Porque vivo? Para quem vivo? O que me faz viver? Para quem sou eu (CV 286)?
- Na verdade, querido irmão, querida irmã, querido menino, querida menina, querido jovem, querida jovem: “Quando o Senhor suscita uma vocação não pensa apenas naquilo que tu és, mas em tudo aquilo que poderás chegar a ser” (CV 289). O Padre é um sinal de que tu podes ir mais além e até ao mais Além, podes chegar até à plenitude da própria vida, no coração deste Deus, para quem todos vivem.