Liturgia e Homilia no IX Domingo Comum C 2016
25 maio 2016Na Eucaristia, não somos nós apenas que recebemos Cristo, mas é também Cristo que nos recebe a nós! E tal como o centurião, de que nos fala o Evangelho deste domingo, também nós nos sentimos indignos desta proximidade e desta amizade do Senhor, para connosco.
“Dai-lhes vós de comer”! Em pleno Ano Jubilar, esta Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, vem recordar-nos a Eucaristia, como escola autêntica de misericórdia, que atualiza a compaixão de Deus, por cada um dos Seus filhos, a começar pelos mais pobres.
"A Trindade é um mistério, mas podemos falar disso", porque o próprio Deus Se revela, na Sua Palavra. Pelas Sagradas Escrituras, o Pai vem amorosamente ao encontro dos Seus filhos, para falar com eles. Quando se proclama a Palavra de Deus, na assembleia, é Cristo, Seu Filho, que nos fala e nos revela o rosto da misericórdia do Pai. E, para escutar, interpretar e pôr em prática esta Palavra, precisamos do mesmo Espírito Santo, que inspirou os autores sagrados a escrevê-la. Abramos o nosso coração, à escuta desta Palavra de amor.
Eis-nos, irmãos, a celebrar a Solenidade de Pentecostes, volvidos já os 50 dias de Páscoa! E, vão ainda mais distantes os 40 dias da sua preparação. Foram assim 90 dias, três meses, em que nos deixamos desafiar por este lema «Pratica a misericórdia com alegria». Agora, abrimos o nosso coração a este inesgotável «rio da misericórdia», que o Espírito Santo faz brotar e fluir do coração de Deus, para que transborde e nos comprometa na transformação do nosso mundo.
1.“Corrigir os que erram” é a obra de misericórdia, a última a propor, ao concluirmos a caminhada diocesana, sob o lema «Pratica a misericórdia com alegria»! Ora, “corrigir os que erram”, e fazê-lo com alegria, não é coisa fácil! Pode-se cair na tentação de superioridade moral sobre o outro, ou de provocar grande tristeza, porque “toda a correção no momento em que é recebida cai mal, mas depois produz um fruto de justiça” (Heb 12,11). “Corrigir” significa, à letra “dirigir em conjunto”, aceitar a ajuda de quem caminha connosco. Se pecar é, literalmente, “falhar o alvo” da nossa humanidade, corrigir é ajudarmo-nos a reencontrarmos juntos o caminho. E o próprio caminho corrige o caminhante! É interessante, a este respeito, a correção, logo depois da ascensão:«Porque estais a olhar para o céu». Os Onze são desafiados a redirecionar o alvo do seu interesse, a cair das nuvens e assentar os pés na terra, para deitar mãos à obra, até à última vinda de Cristo, Salvador.
2. Mas há ainda uma correção, antes da ascensão: Jesus corrige a pressa e a curiosidade dos discípulos, quanto à hora da restauração definitiva do Reino de Israel. Dá-lhes a entender que o tempo é superior ao espaço e o que importa não é conquistar poder e territórios, mas progredir no testemunho da ressurreição. Somos senhores do momento, mas só o Pai é Senhor do tempo. É preciso, portanto, dar tempo ao tempo, deixar que Deus nos corrija, através da Sua Palavra, dos acontecimentos, das desilusões, dos sofrimentos da vida.“Talvez Deus escreva direito por linhas tortas e saiba tirar algum bem dos males que não se conseguem vencer nesta terra” (Amoris Laetitiae, 116). E, por isso, não é da nossa conta o futuro. Mesmo na correção, em família, é preciso saber corrigir em tempo e modo oportunos, sabendo “dar tempo ao tempo”. “O outro - o marido, o filho, a esposa, o pai, o irmão, a sogra -pode mudar; é possível um amadurecimento, um inesperado surto de beleza; é possível que as potencialidades mais recônditas do seu ser germinem algum dia” (cf. Amoris Laetitia, 116).
3. Irmãos: o próprio Jesus adverte-nos quanto ao dever de correção fraterna (cf. Mt.18,15), em que cada um se torna sentinela e guarda do seu irmão e, por isso, não pode deixá-lo precipitar-se no abismo, por respeito humano ou comodidade, ou sob pretexto de não se querer meter na vida do outro ou por medo de ganhar a inimizade da pessoa ou ainda por medo às suas reações. Todavia, para ser eficaz, esta correção deverá ser feita com humildade, começando por nós mesmos (cf. GI 6,1), com amor, com discrição, mansidão, firmeza (1 Ts 1,13), sem aspereza (1 Tm 5,1), sem cólera (Sl 6,2), sem exasperar, nem humilhar quem é corrigido (Ef 6,4), tendo em conta a idade, as forças e os limites das pessoas (Amoris Laetitia, 269). É importante que a correção não apareça, como expressão da ira, da agressividade, mas sempre acompanhada de estímulos, de gestos e palavras de consolação. Quem só corrige, não corrige! Para ser obra de misericórdia, há de ser sempre movida só pela misericórdia. Por isso, a correção não é julgamento do outro, visto como inimigo, mas serviço de verdade e amor ao outro, querido como um irmão.
4. Estamos a celebrar a ascensão de Cristo, que é nossa esperança. Aqui “aparece a esperança no seu sentido pleno, porque inclui a certeza de uma vida para além da morte. Aquela pessoa, com todas as suas fraquezas, é chamada à plenitude do Céu: lá, completamente transformada pela ressurreição de Cristo, acabarão as suas fraquezas, trevas e patologias; lá, o verdadeiro ser daquela pessoa resplandecerá com toda a sua potência de bem e beleza. Isto permite-nos, no meio das moléstias desta terra, contemplar aquela pessoa com um olhar sobrenatural, à luz da esperança, e aguardar aquela plenitude que, embora hoje não seja visível, há de receber um dia no Reino celeste” (Amoris Laetitiae, 117). Por isso, quem corrige, com misericórdia, não desespera do outro nem do futuro! Procura apenas fazer da terra caminho conjunto na direção do Céu.