Homilia na Quinta-Feira Santa 2019
1. Jesus levantou-Se da mesa e tirou o manto para lavar os pés (Jo 13,4), realizando assim o serviço humilde da hospitalidade, que era devida aos hóspedes, e trabalho dos escravos. No final Jesus recebe o manto. Depor e receber são os mesmos verbos com que o Bom Pastor depõe a vida, para a retomar (Jo 10,17-18). Depor a vida e receber a vida são ações que resumem a imensa e penetrante lição da Cruz, que nesta noite nos fala mais pelos gestos do que pelas palavras. O Senhor faz-Se Servo e deixa-nos o exemplo maior do “Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida” (Mt 20,28).
2. Para nós, que nos deixámos guiar pelo profeta Jonas, neste prazo de 40 dias, este gesto comovente e exemplar de depor e receber o manto para nos lavar os pés pode trazer-nos à mente e ao coração a reação do rei de Nínive, diante do apelo à conversão, lançado pelo profeta. Diz o texto: “O rei de Nínive levantou-se do seu trono, tirou o seu manto, cobriu-se de saco e sentou-se sobre a cinza” (Jn 3,6). Vede: também aqui o rei depôs as suas vestes reais e não temeu descer do seu trono, não se importou de perder estatuto para se deixar sujar e misturar com o seu povo, em atitude de penitência, para ficar limpo e lavado do seu pecado. E, como o exemplo viera de cima, a cidade inteira cobriu-se de roupas grosseiras (Jn 3,8), o mesmo é dizer: revestiu-se dos mesmos sentimentos de humildade, de conversão, de contrição, de arrependimento, de humilde mansidão.
3. O exemplo antigo do rei de Nínive é realmente edificante, mas ele não era de condição divina. O exemplo de Jesus, que é mais do que Jonas (Mt 12,41), ultrapassa sem comparação o do rei de Nínive, porque Jesus é Mestre e Senhor. Ele é de condição divina, mas faz-Se Servo, inclina-Se, declina-Se e reclina-Se sobre a nossa miséria, para nos lavar a todos do pecado e nos revestir da túnica batismal e filial, para assim nos “renovar e reunir no banquete do seu amor” (Prefácio Quaresma VI).Segue-se então a lição em forma de mandato: “Como eu vos fiz, fazei-o vós também” (Jo 13,15), associando a este o mandamento novo do amor. Deste modo, o exemplo de Jesus e o mandamento novo do amor ensinam-nos a não lutarmos pelo primeiro lugar, pelos lugares de poder, a não procurarmos o primeiro lugar nas mesas das nossas importâncias e senhorias. Aprendamos com Jesus a lutar pela toalha, a lutar pelo serviço. Não teremos problemas com a concorrência!
[A homilia pode concluir-se saltando para o ponto 7. Pode também começar neste ponto 4.]
4. Gosto de imaginar que se o bom Jesus pusesse um anúncio a chamar pessoas para se tornarem Seus discípulos, poderia dizer algo de parecido com isto: “Procuram-se amigos e lavadores de pés” (Card. Sean O’Malley, Procura-se amigos e lavadores de pés, Ed. Paulinas 2019, pp. 9-10.96). Estes são os atributos necessários que Jesus identifica para todos os Seus discípulos e para os Seus 12 Apóstolos em particular. Aqueles que seguem Jesus, e entram na intimidade da Sua mesa, são chamados a ser Seus amigos e não funcionários, amigos nas horas boas e nas horas más, amigos identificados com Ele, numa amizade permanente e crescente, numa comunhão de pensamentos, de sentimentos e de vontade; amigos que partilham reciprocamente a sua vida, da Sua Vida. O que Jesus quer é que os Seus servidores tomem parte com Ele nesta Sua vida dada e recebida, agradecida e retribuída, e assim se tornem Seus amigos e não admiradores, Pastores e não mercenários, missionários a tempo inteiro e não voluntários em part-time.
5. Este anúncio “Procuram-se amigos e lavadores de pés” é extensivo a todos os discípulos, mas tem especial relação com os 12 Apóstolos. O Reino de Deus precisa, a Igreja precisa, o mundo precisa de quem participe deste ministério através da ordenação sacerdotal. De entre os membros de uma grande comunidade de servidores, como é a nossa, espera-se que algum amigo Seu se sinta chamado a ser Pastor, por amor de Deus e dos homens. “E se alguns sacerdotes não dão um bom testemunho, não é por isso que o Senhor deixará de chamar. Pelo contrário, Ele duplica a aposta, porque não deixa de cuidar da sua amada Igreja” (Papa Francisco, Christus vivit, n.º 275).
6. Como podemos ajudar a despertar esta especial vocação sacerdotal? Certamente há muitos desafios a assumir, muitos aspetos da vida da Igreja a cuidar[1], mas destaco este como fundamental: educar para o serviço, para a gratuidade, para a alegria de servir. Tal supõe humildade no trato, considerando os outros superiores a si mesmo; disponibilidade para ajudar sem olhar ao próprio interesse; espírito de sacrifício, alegria e gosto em fazer o bem. Esta escola de serviço torna possível a uma criança, a um adolescente, a um jovem, colocar-se diante de Deus, pronto para tudo, e dizer-Lhe: Senhor, que queres que eu faça? E Ele responderá: Viste o que eu te fiz. Fá-lo tu também.
7. Irmãos e irmãs: multipliquemos por toda a parte o anúncio desta noite, mas sobretudo, gravemo-lo no coração de todos e de cada um: “Procuram-se amigos e lavadores de pés”, gente sem mantos reais, amigos sem medo de sujar as vestes, discípulos a lutar pela toalha, a lutar pelo último lugar! Que o Senhor da nossa vida nos ensine a ser fiéis ao Seu belo dizer e muito mais ao Seu modo admirável de nos fazer a todos discípulos missionários.
[1] Leia-se a Homilia que proferi no XXXII Domingo Comum B 2018, em que apresentei sete desafios educativos, para ajudar a formar discípulos missionários, de entre os quais possa brotar a vocação sacerdotal: educar para a escuta, educar para a pobreza, educar para o serviço, educar para a comunidade, educar para o amor, educar para a radicalidade, educar para o reconhecimento da vida sacerdotal.