Homilia no IV Domingo da Páscoa C 2022
1. É comum projetarmos a imagem de um rebanho no meio do campo e na aldeia. Mas o cristianismo não nasceu por esses pastos! Desde o princípio, no ruído das muitas vozes da cidade, houve quem escutasse e reconhecesse o timbre único da voz do Bom Pastor. E assim cresceu o rebanho, no meio da Cidade! A Boa Nova furou as vedações da terra santa e entrou no coração de Antioquia, capital da Síria, cidade donde, pela primeira vez, houve o nome de “cristãos” (At11,26). Na grande metrópole, onde há barulho e movimento, descobre-se então uma multidão que se reúne e escuta atentamente a Palavra de Deus! Porque, ao contrário de tantos ruídos, esta é uma voz inconfundível, que ressoa no coração, com uma Palavra que dá Vida. A imagem do Pastor é expressão do sonho de uma vida serena e simples, de que as pessoas, na grande confusão da cidade, sentem nostalgia! A cidade torna-se agora o campo da missão, onde florescem novas pastagens, e onde a Igreja se planta e implanta cada vez mais.
2. Paulo e Barnabé, a partir da comunidade de Antioquia, são reservados, para a missão (At13,2). Deixam para trás, e para outros, a tarefa da manutenção e recusam-se a “engordar” as ovelhas fartas! Eles voltam-se, com ousadia, para as «ovelhas» que ainda não pertencem ao redil. “Era a vós – diziam eles aos judeus – que devia ser anunciada primeiro a Palavra de Deus. Uma vez, porém, que a rejeitais, voltamo-nos para os pagãos, pois assim nos mandou o Senhor”. Aqui se percebe claramente o desafio da missão: sair da casa paterna, abrir a Igreja a um mundo novo, que ainda não escutou a Palavra. Missão é envio e saída, para outras paragens, para outras pastagens, para lugares e pessoas, casas e famílias, onde o Evangelho ainda não tiver sido anunciado nem escutado!
3. Precisamos, a esta luz, de reinventar toda a nossa pastoral, demasiado sedentária, muito assente e bem «sentada» nas suas reuniões de grupos, atividades comunse celebraçõeshabituais, para “consumo interno”. As nossas comunidades paroquiais instalam-se facilmente, no pasto seguro e garantido da assistência religiosa, da sua missa, das suas festas, do padre pronto a batizar, a casar e a enterrar! Entre os fiéis, que acedem ao pasto da Eucaristia, há mesmo a tentação de pensarem: “não faço falta; já há muita gente a colaborar; não precisam de mim ou se, for preciso alguma coisa, alguém o fará por mim”. Também acontecerá a alguns “consumidores” habituais do repasto eucarístico sentirem-se constrangidos pelos “homens principais da cidade” ou mal vistos “pelas senhoras piedosas mais distintas”, a tal ponto que se sentem descartáveis, ou sem lugar nem serviço na comunidade cristã, sem missão no mundo. Ora, cada ovelha deve responder de modo pessoal ao timbre pessoal da voz do Pastor, que chama e envia a cada um, em saída, diretos ao coração da vida das pessoas, na grande cidade, onde há tantas propostas inquinadas de felicidade.
4. A todos, e a cada ovelha do rebanho, cabe ir em frente, dando e alargando o seu espaço, para nele acolher ovelhas feridas, desnutridas, abandonadas! Ao rebanho, crescido e amadurecido, não assiste o direito sequer de “sequestrar” para si o Pastor! O Pastor não deve ficar prisioneiro daqueles que o rodeiam sempre, antes deve procurar, aqueles que se desviaram ou nunca entraram no redil. E esta procura chegará a ser encontro feliz, graças aos pés, às mãos e aos olhos de cada uma das ovelhasdo rebanho! Hoje já não se trata de deixar 99 ovelhas por causa de uma. Será mais o caso de deixar uma pelas outras 99! Estou convencido que quantos mais “ovelhas” saírem do seu abrigo para atraírem ao pasto outras ovelhas, tanto mais surgirão cordeiros que se tornam pastores!
5. Maria, que aprendeu a escutar a voz do seu Filho desde o ventre materno, nos ensine o seu estilo humilde de escuta, nos dê a profundidade interior do seu discernimento, nos encoraje com a valentia da sua fé, capaz de arriscar a novidade e nos inspire a sua dedicação total ao serviço do Reino, para darmos um rosto à esperança e mãos à Paz.