Homilia no IV Domingo da Quaresma B 2021
Todos juntos na Arca da Aliança! Estarmos juntos, por algum tempo, no abrigo da nossa casa, é muito agradável. Estarmos juntos, por muito tempo, fechados em casa, em regime de confinamento, é um teste de resistência e de resiliência. O egoísmo, o desacordo, as tensões, os cansaços, os conflitos vêm ao de cima e agridem, de forma violenta e às vezes mortal, a comunhão familiar. Este desafio é tanto maior quanto ele dura e perdura há praticamente um ano. De algum modo, a experiência do Povo de Deus, no seu exílio na Babilónia, descrita na 1.ª leitura, pode servir-nos de inspiração. Também nós vivemos como que exilados (2 Cor 5,6), impedidos de sair, de conviver, de festejar a vida e até de celebrar juntos a nossa fé. Que tem afinal a ensinar-nos o exílio do Povo de Deus, nesta espécie de sábado santo contínuo (Cr 36,21; Jr 25,11)a que pandemia nos submeteu? Três coisas simples:
1.º: Transformemos este tempo para esquecer num tempo para purificar a memória. Israel, no exílio, interroga-se sobre as suas culpas e dá-se conta de que isso resultou da sua infidelidade à aliança, dos ouvidos fechados à Palavra de Deus, da indiferença à mensagem dos profetas. O Povo tenta ler e reler a sua história, reconhecendo as suas culpas e pecados. Mas, para não perder a esperança, recorda-se também de Jerusalém e das maravilhas realizadas por Deus outrora, em favor do Seu Povo. O Povo de Deus deixa-se consolar pela palavra dos Profetas, sentinelas da aliança, e confia-se à misericórdia do Senhor, que, por fim, o libertará.
Este é um belo desafio, em tempo de confinamento: casais e pais, pais e filhos, não percamos a graça deste tempo: confessemos uns aos outros os nossos pecados; partilhemos as nossas aventuras e desventuras; purifiquemos a memória das nossas falhas e recomeços; limpemos do coração velhas mágoas e ressentimentos; lembremo-nos das nossas faltas e perdoemo-nos uns aos outros, de todo o coração. E perdoar não é esquecer, é recordar de modo diferente, é purificar a memória, para não deixar que a ofensa recebida continue a contaminar o coração como um vírus; perdoar permite-nos tirar de um mal um bem maior. Se é verdade que Deus escreve direito por linhas tortas, este é um tempo em família para ler, à luz da Cruz, o que Deus escreveu na nossa vida pessoal e familiar. O Seu perdão oferece-nos sempre oportunidades de voltar e de recomeçar. De cara lavada, de memória purificada!
2.º: Transformemos este tempo sem Templo, num tempo santo. No exílio, o Povo de Deus não tem sacerdote, nem Templo para oferecer sacrifícios. Pois bem, reza com as suas lágrimas e redescobre o tesouro das orações antigas e dos cânticos aprendidos de cor. Reza em casa, recordando aos filhos a beleza da aliança, os acontecimentos da história, as festas do Povo, e explicando-lhes o seu significado. Israel promove a oração e a catequese familiar em sua própria casa e, logo depois, o culto na sinagoga. Em vez da liturgia dos sacrifícios e holocaustos, no grande Templo de Jerusalém, dedica-se à oração e à escuta da Palavra de Deus.
Queridos irmãos e irmãs: este é também um tempo sem templo. Exiladosem nossas casas, privados da celebração presencial da Eucaristia, tornemos habitável o templo interior do nosso coração com a oração, o arrependimento e o perdão; façamos da família uma Igreja doméstica, onde a fé se transmite, porque se reza e escuta a Palavra, porque se pratica a verdade, porque se faz memória da bondade de Deus, na vida de cada um, oferecendo aos outros o perdão que se recebe de Deus!
3.º: Continuemos a caminhar, subamos a Jerusalém. Depois do exílio, o Povo de Deus acolhe este convite: “Quem de entre vós fizer parte do seu povo, ponha-se a caminho e que Deus esteja com ele” (2 Cr 36,23). Literalmente, o desafio é: «Suba a Jerusalém». Este é o convite de Jesus (cf. Mt 20, 18), no caminho para a Páscoa. Este é o convite feito pelo Papa, na sua Exortação às famílias: “Avancemos, famílias; continuemos a caminhar! Aquilo que se nos promete é sempre mais. Não percamos a esperança por causa dos nossos limites (e pecados), mas também não renunciemos a procurar a plenitude do amor e da comunhão que nos foi prometida” (AL 325). Caminhemos, subamos a Jerusalém, todos juntos na Arca da Aliança!