Homilia no IV Domingo do Advento B 2020
1. Todos irmãos. Todos de casa! É de uma casa que consta a promessa feita ao rei David: “o Senhor anuncia que te vai fazer uma casa” (2 Sm 7,11). Não se trata de um edifício visível, solidamente assente sobre a rocha, pois David já morava tranquilo em sua casa e queria construir um Templo para o seu Deus. A promessa de uma casa, da parte de Deus, aponta para uma dinastia, para uma descendência, da qual havia de nascer o Messias, e através da qual o próprio Deus revelará o seu coração de Pai, precisamente ao enviar-nos Jesus, a quem chama Seu Filho: “Serei para Ele um Pai e Ele será para Mim um Filho” (2 Sm 7, 14). E assim, nesta paternidade e nesta filiação divinas, se consolidará a Sua realeza para sempre.
2. De facto, não há nada mais sólido para a edificação de uma Casa Comum (seja a família, seja a Igreja, seja o mundo), do que esta consciência viva de que, neste Amor do Pai e do Filho, nos tornamos todos filhos de Deus e, por isso mesmo, todos irmãos, todos de casa. Para lá dos vínculos humanos que nos ligam, como criaturas do mesmo planeta ou como cidadãos de uma pátria comum, para lá dos laços de sangue, que nos tornam membros de uma família, está o laço mais profundo e universal de sermos todos filhos de Deus, imagem viva do Pai, filhos no Filho Jesus e, por isso, todos irmãos e irmãos de todos (cf. CDSI, 196; SRS 40).
3. Nesta caminhada para o Natal, colocamos na Estrela a palavra Solidariedade. Curiosamente, na raiz desta palavra está também a ideia de solidez, isto é, de uma base forte, de um sólido fundamento, sobre o qual se pode erguer, de forma segura e firme, uma construção familiar, social e mundial (cf. FT 115, nota 88). Solidariedade é certamente das palavras mais usadas, em tempos de Natal. Ela corre mesmo o risco de se tornar “um palavrão” (FT 116)e de se confundir com “um sentimento de compaixão vaga ou de enternecimento superficial pelos males sofridos por tantas pessoas, próximas ou distantes” (SRS 38). Mas não. A solidariedade é uma virtude moral. E, enquanto tal, ela é a “determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum, ou seja, pelo bem de todos e de cada um, porque todos somos verdadeiramente responsáveis por todos” (SRS 38; CDSI, 193), todos estamos ao cuidado de todos e sob o cuidado de todos. Se alguma consciência social se agudizou com a pandemia da COVID-19 foi esta interdependência entre os seres humanos, a consciência de que estamos todos ligados, de que dependemos uns dos outros, de que precisamos uns dos outros, de que não nos salvamos sozinhos, de que somos solidários nos bens e nos perigos, de que afinal somos “responsáveis pela fragilidade dos outros na procura de um destino comum” (FT 115).
4. Mas também é verdade que esta interdependência nem sempre significa “solidariedade”, pois esta implica “pensar e agir em termos de comunidade, de prioridade da vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns” (FT 116). Pelo contrário, vemos como esta interdependência se torna uma humilhante afirmação de prioridade e de superioridade de uns sobre os outros; uma injusta dependência dos mais fracos e dos mais pobres em relação aos mais fortes e mais ricos. Pelo que a solidariedade, isto é, a solidez na construção de uma Casa Comum, implica o contrário: a disponibilidade de cada um em perder algo de si ou de seu, para benefício do próximo, em vez de o explorar.
5. Irmãos e irmãs: Maria é a Casa onde Jesus nasce e é de casa. Ela apresenta-Se como “a serva do Senhor” (Lc 1,38). Por isso, não esqueçamos que a solidariedade se manifesta concretamente no serviço (cf. FT 115). E servir, nestes tempos, significa, em grande parte, cuidar dos mais frágeis das nossas famílias, da nossa sociedade e do nosso povo. Fixemos então o rosto dos nossos irmãos e irmãs. Soframos com a sua dor. Procuremos, acima dos nossos interesses, o seu bem maior e a sua promoção. Comecemos pelos “de casa”, para que, a partir da solidez da família, se cumpra o propósito do Natal: Todos irmãos. Todos de casa!