Celebremos a Festa em dia de ordenações sacerdotais
Destaque

33 é um número que nos reporta

à suposta idade maior de Cristo,

à consumação da sua missão,

ao tempo da sua Crucifixão e Ressurreição.

Por isso, neste aniversário,

leio toda a minha vida pessoal e pastoral,

nessa chave pascal,

que nos faz olhar para o positivo e para o negativo,

para o êxito e para o fracasso, com a mesma gratidão,

como polos de uma vida, em tensão permanente

para a santidade, até alcançar, um dia,

a medida de Cristo,

Homem novo, na Sua plenitude!

 

Ordenação há 33 anos

Há 33 anos estava na Sé do Porto, pelas 11h00 da manhã.  Era um dia quente, muito quente, com as pedras do terreiro da Sé a arder de calor e a frescura da Catedral como uma brisa a refrescar a alma. Um dia cheio de luz e de alegria. Eu tinha apenas 25 anos, era um jovem, de uma pequena aldeia de Paços de Ferreira, de Eiriz, que deixara um dia o 1.º ano da Escola do Magistério Primário em Penafiel e entrara no Seminário Maior do Porto com 18 anos. Fiz então um caminho de discernimento vocacional e a Igreja entendeu que a minha escolha era da vontade de Deus. Hesitei a meio do caminho, entre o serviço à Diocese ou a integração na Companhia de Jesus. Optei por ser padre diocesano e nunca me arrependi de ser padre. Éramos então 7 candidatos à ordenação presbiteral, 5 oriundos do Seminário Maior do Porto e dois provenientes de ordens religiosas. Ainda me lembro de um colega, bem-humorado, na procissão de entrada, nos claustros da Sé, voltar-se para o Professor de História da Igreja e dizer-lhe, a propósito de uma casula barroca que usava: “O Senhor doutor com essa casula parece uma peça ambulante do Museu de Arte Sacra”. E Dom Júlio riu-se e muito.

Num domingo, como este…

O domingo e o ciclo litúrgicos da nossa ordenação presbiteral eram os mesmos de hoje e, por isso, as leituras foram as mesmas que acabámos de escutar. Ainda sinto a voz forte de Dom Júlio Tavares Rebimbas e o seu coração pulsante de júbilo a ribombar palavras de ânimo, alegria e esperança. Recordo sobretudo a minha oração pessoal, durante a prostração enquanto se entoava o canto das ladainhas. Eu chorava e rezava apenas a jaculatória “Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo”, entregando-me assim ao mistério trinitário desse Deus de Amor que me escolheu, sem eu perceber porquê, sem eu o merecer. Não percebia nada. Vi tantos colegas, mais santos do que eu, optar por outra vida. Recordo muito as lágrimas, as palmas, os abraços, os beijos, sobretudo os do meu pároco, os dos meus pais, os da minha madrinha, os da minha família, o dos amigos que vinham de toda a parte. Foram tantos os abraços que eu estava todo partido e, ao chegar a noite, dormi ao relento, um sono só, na varanda da minha casa familiar, sem travesseiro nem cobertor.

A paixão pela Palavra

Hoje escuto de novo a mesma Palavra de Deus e, na minha mente e no meu coração, há mais imagens e gestos do que palavras. Escuto Amós dizer que “não era profeta nem filho de profeta”, como eu, que não tinha títulos sociais ou eclesiásticos, provinha de uma família pobre, onde os 12 irmãos me evocavam, à mesa, a última ceia de Cristo com os apóstolos. Conhecia então – e agora ainda mais – as minhas fragilidades, os meus medos e, todavia, tinha a confiança firme, de que o Senhor não me havia de faltar com a sua graça, a única coisa necessária. Ardia em mim – como um fogo – uma paixão por Cristo, pela pregação, pelo anúncio do Evangelho, pela lectio divina, pela partilha da Palavra. Disse-me o meu pároco que, uma vez – era eu ainda uma criança – me perguntara: “Gonçalo, queres ser padre” e que eu terei dito: “Eu quero é ser pregador”. Não me lembro dessa conversa, mas acredito na profecia inocente daquela minha resposta. Quando fui ordenado, eu sabia que era chamado a continuar a missão de Jesus e que só Ele é o centro imutável dessa missão! É Jesus que chama, que nos chama a Si, para estar com Ele. É Jesus que nos envia, a partir de Si, para os outros. Sentia que não estava sozinho nessa aventura. E que Ele não nos quer corredores solitários na missão, mas dois a dois, sempre em comunhão, em comunidade.

O primeiro amor

Depois, a vida sacerdotal passou ainda um ano pelo Seminário do Bom Pastor e – logo a seguir – 16 anos por terras de São Gonçalo e São Veríssimo. Quando fui nomeado para lá e quando entrei naquele Mosteiro dominicano, sentia-me esmagado pelo peso da responsabilidade, mas agraciado por uma oportunidade tão extraordinária de missão. Que grande aventura. Eu era Gonçalo, Padre Gonçalo, o Padre de São Gonçalo. Foi o primeiro amor, as primícias do ministério, mas também as primeiras lutas e dores, as primeiras quedas e desilusões, os pequenos gestos e os grandes projetos, a aprendizagem humilde de ser pastor, a que tantos fiéis me conduziram, com o seu faro evangélico. Recordo a pequena Mónica, hoje médica, que ao ver-me passar junto de sua casa, comentava: “Vai ali o Jesus que anda”. Que resumo tão belo da minha missão sacerdotal: ser sinal desse Jesus no meio das pessoas, a pregar, a curar, a amar. E cumpri a missão nesse lugar até quando me foi pedida, segundo a regra do Evangelho, «ficai naquela casa até partirdes dali», quer dizer, estive ali a tempo inteiro, enquanto foi preciso e enquanto me foi pedido, mas com a liberdade para sair, quando a casa estava já arrumada e bem habitada.

Na grande cidade de Nínive

Depois foi a travessia da A4, do marão ao mar, de Amarante a Matosinhos, com a nomeação para a Paróquia da Senhora da Hora, que já então gozava de muito boa fama. Perguntei ao padre Ângelo, de São Mamede de Infesta, então nosso vigário: “A Paróquia da Senhora da Hora é uma paróquia viva”? Ele, no seu bom humor respondeu: “É… Mas lembra-te: «uma paróquia viva é um padre morto»”.  Apanhei um susto, quase um pesadelo, por esta imensa espessura do betão da cidade da Senhora da Hora, que me parecia impenetrável. Vivi os primeiros anos – talvez os primeiros 3 – numa alegria forçada, não disfarçada, mas uma alegria muito sofrida. Impunha-se-me uma conversão, como a de Jonas, a de passar do «senhor padre», conhecido por todos lá na terra, ao «padre» desconhecido, tantas vezes visto como um funcionário, como um agente qualificado de serviços religiosos. Mas, pela graça de Deus, pouco a pouco, entrámos pela cidade dentro, pelas ruas e pelas casas, pelas praças e condomínios, derrubámos muros de betão, criámos familiaridade, crescemos em comunhão e em comunidade. Na Senhora da Hora conheci pessoas extraordinárias, vários Movimentos e Obras da Igreja, que me fizeram crescer. A minha missão pastoral expandiu-se rapidamente da Senhora da Hora à capelania do Hospital Cuf desde 15 de junho de 2010, da grande Paróquia no coração do grande Porto à Coordenação Diocesana da Pastoral, desde 2014; da Senhora da Hora ao país inteiro, em que tantos padres e leigos, graças às nossas partilhas pastorais, pelo site e pelas redes sociais, começaram a olhar para nós como referência e inspiração. Cresceu muito a minha responsabilidade, essa que tanto me atemoriza e me obriga a cuidar minuciosamente do que escrevo, do que proponho, do que partilho. Em 20 de setembro deste ano estarão completos 16 anos, na Senhora da Hora. O primeiro amor, amarantino, juvenil, apaixonado, deu lugar, na Senhora da Hora, a um amor maduro, fecundo, paterno e materno, que tanto aceita o acolhimento como a recusa daqueles a quem Deus me envia. Foi na Senhora da Hora que acompanhei, com a minha irmã mais velha, o meu pai desde 25 de maio de 2015 até à sua morte, na residência paroquial, em 20 de fevereiro de 2017. Foi na Senhora da Hora, que eu e minha irmã, tomámos conta da nossa mãe, até pouco antes da sua morte em 5 de janeiro de 2022, no Hospital Pedro Hispano. As minhas raízes mais profundas, o pai e a mãe, partiram da Senhora da Hora para o Céu, e, por isso, estas santas raízes estarão para sempre ligadas à nova cidade de Nínive, imortalizada nas pinturas do ilustre senhorense António Bessa. Tudo pesado, creio que a Senhora da Hora levou e ficou com a melhor parte de mim. E que eu recebi de vós a melhor parte do que sou e tenho.

A surpresa de Guifões

Mas a vida continua e, eis que de surpresa em surpresa, quis a divina providência dar-me mais um filho, para eu cuidar com amor, agora um amor mais experiente, talvez mais sábio, mais manso, mais pacífico, mas não menos enérgico e apaixonado. Caiu-me no colo esta missão na Paróquia de Guifões na altura certa, em que a crise pandémica de 2020 a 2022 e a crise dos abusos sexuais na Igreja em 2023 me pareciam arrastar para o desânimo e para um desencanto desmoralizante. A Paróquia de Guifões trouxe-me então renovada alegria ao meu coração, uma outra realidade pastoral, novos rostos, regresso a um meio mais pequeno, como se houvesse, para mim, de encetar um novo começo, um novo desafio, a alargar ainda mais o meu coração de pastor e a abrir caminhos novos de interparoquialidade! 

O futuro a Deus pertence

Irmãos e irmãs: vede que o Evangelho de hoje não nos diz quandonem para onde Jesus envia os seus Apóstolos. A missão tem como horizonte o mundo inteiro e quer-nos de corpo e alma, de coração indiviso, a tempo inteiro. E o futuro a Deus pertence. Em tudo e até agora, com tantas falhas, permanece no meu coração o ideal do lema pastoral, que escolhi para a ordenação sacerdotal: “Reunir os dispersos”; isso significa ir às periferias, sair ao encontro dos mais pobres, atrair a todos para Cristo, que é fonte de todas bênçãos.  E para terminar – parafraseando o Papa Francisco – peço uma só coisa: perdoem-me tantas fraquezas, distrações, impaciências. E não se esqueçam nunca de rezar por mim. De agradecer ao Senhor e só a Ele tudo o que Ele e só Ele fez em mim e por mim a vosso favor. Deus seja louvado. Ámen.

 

Pe. Amaro Gonçalo

 

 

 

 

 

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