Jesus rompe a espiral da violência, mostrando que a Cruz é para levar às costas e não para brandir como uma espada: “Mete a tua espada na bainha” (Jo 18,11), como quem te exorta: Aprende de Mim, que sou manso e humilde de coração (cf. Mt 11,29).Olha que “mais vale padecer por fazer o bem do que por fazer o mal” (1 Pe 3,17). Se queremos alcançar em alcançar em Cristo, morto e ressuscitado, o porto da paz, convertamo-nos hoje mesmo do nosso mau caminho e de toda a violência que há ainda nas nossas mãos (cf. Jn 3,8).
De cais em cais, atracámos, por três dias, junto ao porto da misericórdia e da paz, que se abre, desde já e para todos nós, em Cristo entregue, morto e ressuscitado por nós. Aqui chegados, desta longa viagem de 40 dias, é o próprio Senhor, o Homem do leme, que nos recebe: Ele lava-nos os pés; Ele chama-nos amigos; Ele põe-nos à Sua mesa; Ele confia-nos a memória viva de todos os Seus gestos de amor.
Desde o início da Quaresma que nos propusemos viver estes 40 dias como um tempo favorável para reencontrar a rota da vida. A figura do profeta Jonas, na sua atribulada viagem, inspirou-nos a viver estes 40 dias como caminho de saída de nós mesmos, para chegarmos a bom porto, ao porto da misericórdia e da paz, que é Cristo morto e ressuscitado. Em todo o caso, é o Senhor que guia o leme da nossa vida e é Ele também a meta da nossa viagem no mundo. Ao longo do caminho, mas sobretudo nesta Semana Santa, fixaremos o nosso olhar na Cruz, porque Jesus, na Cruz, é a bússola da vida que nos orienta para o porto seguro da misericórdia e da paz.
Ainda não está à vista o porto da misericórdia e da paz; estamos ainda longe da meta e precisamos de redobrar o nosso esforço para a alcançar. Mas bendito seja o Senhor, que nos alcançou e abraça com a ternura da sua misericórdia, que supera totalmente a nossa miséria e o nosso pecado! Ele fará brotar rios de água viva na aridez da nossa vida. Lavados pelas lágrimas da penitência, cantemos as maravilhas que o seu amor realiza em nós.
Este é o domingo feliz em que somos chamados a viver a alegria do grande encontro com o amor misericordioso do Pai que nos oferece reconciliação e comunhão. Tomemos consciência de que o nosso êxodo, a nossa navegação quaresmal, só é possível porque Deus, com o Seu amor, nos acompanha com a Sua solicitude. A sua ternura paterna não violenta a nossa liberdade, antes a respeita. Mas não descansa enquanto não reconquistar o nosso afeto e nos recriar na dignidade de filhos muito amados, na alegria da Sua Mesa santa.
No cais da conversão, há um sério aviso à navegação: «Se não vos converterdes, morrereis todos» (Lc 13,5). A tempestade IDAI, em Moçambique, em resultado da emissão desproporcional de gases de efeito estufa, é um grito de Deus, no gemido da Criação, a dizer-nos: “ou mudais de rota ou morrereis todos”! Até a jovem baleia dada à costa, nas Filipinas, com 40 kg de plástico no estômago, parece trazer de volta a mensagem de Jonas: toda a Terra será destruída, “os homens e os animais, os bois e as ovelhas” (Jn 3,7.8), se o homem velho, dominador e devorador não se converter em nova criatura (2 Cor 5,7), se não aprender a viver como filho de Deus e como irmão. Estou decidido a mudar o meu estilo de vida e os meus hábitos de consumo, de modo a alegrar-me com pouco, com o mais simples, dando apreço às pequenas coisas da vida (cf. LS 222-223)? Ou mudamos já e agora ou morreremos todos! Não há um Planeta B!
Depois do cais de embarque (no 1.º dia) e do cais de partida (na 1.ª semana da Quaresma), hoje é o dia de subir ao miradouro, de respirar o ar fresco e puro da montanha, de contemplar as estrelas, de elevar os corações às alturas da Pátria celeste. Com Pedro, Tiago e João, queremos extasiar-nos perante a luz que irradia do rosto de Cristo, Crucificado e Ressuscitado. Entremos, sem medo, na espessura da nuvem, como outrora Jonas, no ventre do monstro marinho, e escutemos a Palavra do Filho, que o Pai nos oferece como aliança nova e eterna.
“40 dias para chegar a bom porto: Cristo, porto da misericórdia e da paz”. Este é o lema da nossa caminhada diocesana da Quaresma. Inspira-nos o profeta Jonas, essa figura paradigmática do apelo à conversão.O itinerário quaresmal encontra, nos 40 dias de penitência pregados por Jonas (Jn 3,4), um especial significado de urgência de salvação, de necessidade imperiosa de arrepiar caminho, para salvar o ser humano e a criação. Mas, no princípio, no centro e na meta deste caminho, está Cristo, que é mais do que Jonas (cf. Mt 12,41)! Com Cristo, o verdadeiro Homem do leme, disponhamo-nos a percorrer o caminho da Quaresma à Páscoa, como uma viagem de quarenta dias (Jn 3,4), que nos leva, de cais em cais, num caminho de saída e com saída, ao encontro reconciliador e renovador com “Cristo, porto da misericórdia e da paz” (Prefácio da Quaresma VI).