Homilia na Quarta-Feira de Cinzas 2019
1. Quarenta dias para chegar a bom porto
Quarenta dias para chegar a bom porto…Não é propriamente um programa de férias,em modo cruzeiro. Estes quarenta dias, podiam evocar os dias de Noé na arca (Gn 8,6), o tempo que Moisés passou na montanha (Ex 24,18), a caminhada de Elias (1 Rs 19,8), os 40 anos de Israel no deserto (Jos 5,6)e, principalmente, os 40 dias de jejum vividos por Jesus no deserto (Mt 4,2). Mas estes 40 dias ganham particular significado quando recordamos o apelo à conversão, que o profeta Jonas, à semelhança de Joel, lançara aos ninivitas: «Dentro de quarenta dias Nínive será destruída» (Jn 3,4). Não é uma ameaça. É a certeza de que o mundo não pode mudar, se não mudarmos nós. É a certeza de que toda a criação se pode vingar, se o homem pecador, dominador e devorador, não se converter em nova criatura, para aprender a viver como filho de Deus. O apelo de Jonas contém um especial significado de urgência de salvação, de necessidade imperiosa de conversão.
2. Cristo, Porto da Misericórdia da Paz
Quarenta dias para chegar a bom porto… é, neste sentido, o tempo favorável, que nos é dado, como outrora aos ninivitas, para arrepiar caminho, abandonar a violência, a intemperança, a lógica do tudo e imediatamente, a ganância insaciável, a ilusão de um futuro seguro e garantido pela soma da conta bancária. Se o homem não se converter do seu mau proceder, rapidamente transformará o jardim da criação num deserto, o paraíso prometido num inferno antecipado, a sua vida de sucesso em morte prematura. Por isso, o prazo de 40 dias é o de um tempo favorável, para evitar o pior, para inverter a marcha da autodestruição, para remar na direção justa do Homem novo, para alcançar a salvação, em Cristo, Porto da misericórdia e da Paz! Na verdade, é Cristo – e não Jonas – o nosso porto da misericórdia e da paz. Jesus, que é maior do que Jonas (Mt 12,41), é o Homem do leme, que não nos abandona nesta travessia (Mt 8,23-27; Mc 4,25-41; Lc 8,22-25). Por isso, "o segredo para navegar bem na vida é convidar Jesus, para entrar a bordo. O leme da vida deve ser posto nas Suas mãos, para que seja Ele a guiar a rota" (Papa Francisco, Twitter, 30 de janeiro 2019).
3. De cais em cais, em saída, pela via da periferia
A figura de Jonas, com o seu apelo à conversão e a sua resistência à missão, inspira-nos, nesta Quaresma, uma caminhada de saída da nossa zona de conforto.Neste espírito, percorremos o caminho da Quaresma à Páscoa como uma viagem de quarenta dias (Jn 3,4), que nos leva, de cais em cais, num caminho de saída e com saída, ao encontro reconciliador e renovador com “Cristo, porto da misericórdia e da paz. Este é o nosso propósito: prepararmo-nos para a Páscoa caminhando! E todo o caminho implica uma partida, uma saída. Como a de Abraão, como a dos profetas, como a de Jonas, como a do esposo que sai do seu aposento, como a da esposa que sai do seu tálamo (cf. Jl 2,12-18). Temos bem definidos, no nosso programa Quaresmal, as ações missionárias e os respetivos cais de saída. Não tenhamos medo de sair, de partir, de cais em cais, pela via da periferia.
4. Por mares nunca dantes navegados
Por fim, permiti-me recordar outras vias de saída de nós mesmos, um novo caminho através do mar, ou porventura, por mares nunca dantes navegados:
4.1. a via da sobriedade, através do jejum e da abstinência. Jejuarquer dizer vencer a tentação de «devorar» tudo para “encher” e satisfazer a nossa voracidade. Só assim poderemos desenvolver em nós a temperança, a sobriedade, a simplicidade de vida e a capacidade de sofrer por amor.
4.2. a via da interioridade, com o silêncio acolhedora, a oração intensa, a escuta amorosa da Palavra de Deus. É preciso rezar bem, rezar mais, rezar melhor,para nos convencermos de que não vivemos à nossa própria custa, que precisamos do Senhor e da sua misericórdia, o que implica renunciar à tentação de nos tornarmos “deuses” de nós mesmos, deste mundo e dos outros.
4.3. a via da fraternidade, mediante a partilha generosa e solidária, que fazemos no contributo penitencial ou através da renúncia Quaresmal, em resultado de um estilo de vida mais sóbrio, mais pobre, traduzido em alguma poupança, que se coloca ao serviço dos mais pobres. Esta é a forma de ultrapassar a insensatez de quem vive e acumula tudo para si, com a ilusão de assegurar um futuro que só a Deus pertence.
4.4. A via do perdão, sobretudo através do Sacramento da Reconciliação. Aproveitemos esta segunda tábua de salvação, que nos é oferecida depois do Batismo, para podermos participar plenamente no banquete pascal da Eucaristia.
5. Entremos no cais de embarque
Queridos irmãos e irmãs: quem dera que estes 40 dias nos façam chegar a bom porto. Quem dera que não passássemos em vão estes 40 dias de conversão. Lembremo-nos todos da séria advertência de Jesus, que recai agora sobre nós: “No dia do juízo, os habitantes de Nínive hão de levantar-se contra esta geração, para a condenar, porque fizeram penitência, quando ouviram a pregação de Jonas. Ora aqui está quem é mais do que Jonas” (Mt 12,41). Ora aí está o Senhor, a dar-nos a oportunidade da nossa vida. “Este é o tempo favorável. Este é o dia da salvação” (2 Cor 6,2)! São quarenta dias para chegarmos a bom porto: Cristo, porto da misericórdia e da Paz! Entremos, com Ele, no cais de embarque!