HOMILIA NA FESTA DO BATISMO DO SENHOR C 2019
“Sobe ao alto de um monte, arauto de Sião,
grita com voz forte, arauto de Jerusalém; levanta sem temor a tua voz”(Is 40,9)!
1.É no deserto, que o arauto da Boa Nova tem de gritar com voz forte. Apesar da enorme multidão de batizados, somos hoje uma minoria na cidade, mesmo se a maioria do povo português, 83 %, ainda se afirma católica! Em Portugal, por exemplo, os jovens sem religião chegam aos 42 %. E dos 58 % que se dizem católicos, apenas 27 % participa habitualmente na missa. Não é tanto de negação ou de rejeição de Deus que se trata, mas de uma certa apatia religiosa, de indiferença. Os ateus declarados são muito poucos! Tornam-se amplos os desertos interiores.
2. Perante esta realidade, abrem-se-nos duas estradas fundamentais. A primeira é dizer o mínimo absoluto, algo que chegue à terra mas não leve ao céu; é contentar-se com o mínimo religioso, que console um pouco, mas não exija muito; é fazer a lei moral à medida de cada um, como uma aranha tece a sua teia! Seria melhor garantir o mínimo do que ter a Igreja vazia! Dizem. Não estou de acordo! A presença dos crentes, ainda que mínima, no meio do mundo, deve ser um grito, não um sussurro: “Sobe ao alto de um monte, arauto de Sião; grita com voz forte, arauto de Jerusalém; levanta sem temor a tua voz” (Is 40,9)! Por isso, o que me parece mais ajustado é propor com alegria e ousadia o núcleo essencial da fé, e numa linguagem nova, onde não faltem as grandes palavras do sentido da vida: o Sermão da Montanha, o Decálogo, a luz da verdade e do amor, a morte e a esperança na ressurreição. E fazê-lo, como São Paulo, no areópago de Atenas, sabendo que é possível o fracasso. A derrota e a recusa fazem parte do anúncio!
3. Em pleno Ano Missionário, evangelizar não significa necessariamente tornar cristãos todos os homens, nem fazer voltar à Igreja todos os batizados. Evangelizar é anunciar, com gestos e palavras (cf. DV 2), e assim dar a possibilidade, a quem tiver boa vontade, de poder ouvir uma Boa Nova e aprofundá-la e, se assim o decidir, acolhê-la. Deste modo, evangelizamos por atração (EG 14), preparados para a aceitação e para a recusa, sem esperar sucessos estrondosos ou conversões em massa. Nós não temos o poder de transmitir a fé. Podemos, simplesmente, cuidar das condições que a tornam possível, compreensível, atraente e desejável. O mais importante não é, pois, o sucesso ou a conquista, mas a irradiação da beleza da fé e do testemunho de Cristo, sem medo de O propor e manifestar a todos (cf. EG 14).
4. Para isso, precisamos de aprender a dialogar com todos, convictos de que o Espírito Santo chega antes de nós e dispõe os outros para receber o Evangelho; o mesmo Espírito Santo capacita os outros, para que nos ensinem algo através dos seus sonhos e esperanças. Por isso, na missão, mais importante do que falar é escutar. É preciso que cada um se torne um bom ouvinte, um guia solícito, interessado na escuta dos que têm histórias de vida para contar, a fim de lhes desvendar a presença de Deus neles (cf. EG 71).
5. Cabe-nos fazer o que o vedor faz no terreno: identificar onde há um fio ou um lençol de água, porventura entre rochedos. Usemos a vara de Moisés, para descobrir, na dura pedra dos desertos de hoje, a água viva, como Jesus fez à Samaritana (cf. Jo 4,39). Isto pode ocorrer no diálogo fraterno, cordial e amigo, nas conversas de mesa ou de café, nos contactos de rua, nos encontros de amigos, nas reuniões de família, nos passeios à beira-rio ou beira-mar! Uma só palavra do Evangelho pode transformar a vida, iluminar a escuridão, consolar o coração.
Irmãos e irmãs: pelo Batismo, somos todos discípulos missionários! “O teu coração sabe que a vida não é a mesma coisa com Cristo ou sem Ele; pois bem, aquilo que descobriste, o que te ajuda a viver e te dá esperança, é isso mesmo que deves comunicar aos outros” (cf. EG 121). Com voz forte. Sem temor! Com ternura e amor.