Homilia no XI Domingo Comum A 2017
1.No final da missa do passado domingo, um jovem acólito, atento à homilia e ao movimento imparável do spinner, não se esticou nada, para fazer este comentário: “O grande problema são os cristãos autistas”. Aproveitei a deixa e, na passada quinta-feira, acrescentei duas doenças ao diagnóstico das maleitas espirituais: a de alzheimer, com a perda da memória dos dons de Deus, e a de anemia, por falta de alimento espiritual. Receitei, para um caso como para outro, a toma e a retoma da Eucaristia dominical, como remédio santo. Neste XI Domingo Comum, retomemos o autismo espiritual, que ataca tantos cristãos, em regime de autogestão, tipo “self-made man”, que julgam poder viver a sua vida cristã fora da comunidade, no isolamento e até no desprezo dos outros. E acrescentemos-lhe depois outra doença perigosa, para a saúde dos cristãos cá de casa: a obesidade espiritual.
2. Na verdade, quem escuta o salmista a cantar, cheio de orgulho, esta espécie de hino universal da fé: “Nós somos o Povo do Senhor, as ovelhas do seu rebanho”, estranha ver, por aí, tantos cristãos autistas, que em vez de pertencerem ao Senhor, se pertencem a si próprios e às suas ideias; e que em vez de se integrarem, no redil do rebanho, vivem isolados, no seu mundo, por sua própria conta e risco, com uma fé à sua medida. Ora, “o primeiro fruto do batismo é fazer-nos pertencer à Igreja. Não se entende, por isso, um cristão sem Igreja, ou um cristão que diz: «Cristo, sim. Igreja não». Isso é uma dicotomia absurda” (Papa Francisco, Meditação Matutina, 30.01.2014).Na verdade, como o afirma claramente a 1.ª leitura, Deus criou um caminho, para Se unir a cada um dos Seus filhos. Escolheu convocar-nos, como Povo, e não como pessoas isoladas. Por isso,“ninguém se salva sozinho, isto é, nem como indivíduo isolado, nem por suas próprias forças. Somos Povo de Deus e nesta comunidade experimentamos a beleza de compartilhar a experiência de um amor, que nos precede a todos, mas que ao mesmo tempo nos pede para ser «canais» da graça uns para os outros, apesar dos nossos limites e pecados. A dimensão comunitária, a pertença e a vivência numa comunidade, não é apenas uma «moldura», um «caixilho» bonito, mas constitui uma parte integrante da vida cristã, do testemunho e da evangelização. A fé cristã nasce e vive na Igreja” (cf. Papa Francisco, Catequese, 15.01.2014). “Um cristão sem Igreja é uma coisa de laboratório, uma coisa artificial, uma coisa que não pode dar vida” (Papa Francisco, Meditação matutina, 15.05.2014). Redescubramos, por isso, a alegria e o gosto e até uma santa vaidade de sermos o Povo do Senhor, as ovelhas do seu rebanho!
3.Mas correm ainda grave risco de morrer, por causa do fedor ou do alto teor de gordura no sangue, as ovelhas, que passam a vida a pastar, a consumir as coisas boas de Nosso Senhor, mas não se dispõem a pôr os pés em caminho largo, em movimento de saída, para dar de graça o que de graça receberam. Todos nós, pelo Batismo, somos «discípulos missionários», sempre, a vida inteira, cada qual no lugar que o Senhor lhe confiou (cf. EG 120). Para combater a obesidade espiritual, é preciso então sair do pasto, levantar-se do banco da Igreja ou do sofá do quarto, e ir e sair, pelas encruzilhadas dos caminhos, a anunciar e a levar, em obras de amor, a salvação de Deus. São tantas as ovelhas perdidas da casa de Israel que precisam de respostas que animem, que infundam esperança e que deem um vigor renovado ao seu caminho. Por que esperamos nós?
4.Irmãos e irmãs: para nos defendermos do risco do fedor ou da gordura, tornemo-nos Povo a caminho, Igreja de portas abertas, a fim de que todos possam nela entrar e nós dela saibamos sair a anunciar o Evangelho. Quanto mais intenso for o nosso movimento de entrada e de saída, maior será a frescura na Igreja e menor o peso e a gordura das ovelhas!
5.E já agora, um breve conselho para o tempo de férias que se avizinha: somos o povo de Deus, reunido em Seu nome. Não vamos separar o que Deus uniu, nem dispersar aquilo que Deus reuniu! Mesmo em férias, há sempre ir e voltar. Há sempre missa e missão, até nunca mais acabar!