Homilia no XX Domingo Comum C 2016
«Eu vim trazer fogo à terra»(Lc 12,59)!
Só nos faltava Jesus, para acabar de incendiar a terra! Depois de uma semana infernal de incêndios, e bem acesa a facha olímpica, a palavra inoportuna de Jesus acaba por ser aquilo que pretende: uma palavra provocatória, de desassossego, que nos induz e conduz aqui a três considerações:
Primeira:o fogo de Jesus é o símbolo da Sua paixão pelo Reino. Eu próprio, por ocasião do meu jubileu, me referi a esta paixão, “que arde em mim, como o fogo santo que purificou Isaías (6,1-6-8), ou como o fogo da Palavra que devorava o coração de Jeremias (20,7-9), ou como o fogo de Paulo, na sua loucura missionária, que o levava a dizer, com tanto ardor: «Ai de mim, se não evangelizar» (I Cor.9,16)”! E pedia-vos então que rezásseis a Deus, “para que nunca se extinga, em mim, o fogo desta paixão”, para que se reacenda, em todos nós, o fogo do Espírito Santo, para um novo ardor na missão!
Segunda:a paz de Jesus, a pazque Jesus nos traz não é a paz podre dos pactos diplomáticos e dos silêncios cúmplices, a paz negociada dos não que não falam nem atuam, com medo de perder dinheiro ou de perder o lugar. Por isso, Jesus diz: «vim trazer a divisão»; Jesus não quer dividir os homens entre si, pelo contrário: Jesus é a nossa paz, é a nossa reconciliação! Mas esta paz não é a paz dos sepulcros, não é a paz da falsa neutralidade, não é um compromisso a todo o custo, não é estar de bem com Deus e com o diabo. Seguir Jesus comporta a renúncia ao mal, ao egoísmo, e a escolha do bem, da verdade e da justiça, mesmo quando isto exige sacrifício e renúncia aos próprios interesses. E isto sim, divide; como sabemos, divide até os vínculos mais estreitos, entre pessoas da mesma família. Mas atenção: não é Jesus que divide! Ele propõe o critério: viver para si mesmo, ou para Deus e para o próximo; ser servido, ou servir; obedecer ao próprio eu, ou obedecer a Deus. É neste sentido que Jesus é sinal de contradição” (cf. Papa Francisco, Audiência, 18.08.2013).
Terceira:A fé em Jesus não é algo de decorativo, de ornamental; viver a fé não significa decorar a vida, com um pouco de religião, como se fosse um bolo que se decora com mais açúcar ao fim de semana. A fé não é ópio, para nos adormecer e calar, diante das injustiças do mundo, mas é uma força revolucionária, que nos leva a transformar o mundo, a começar por mim, pelo meu metro quadrado. A fé exige que se escolha Deus como critério-base da vida, e Deus não é vazio, Deus não é neutro, Deus é sempre positivo, Deus é amor, e o amor é positivo! Deus tem um rosto concreto, tem um nome: Deus é misericórdia, Deus é fidelidade, é vida que se doa a todos nós. Todavia, deixemos claro: esta palavra do Evangelho, não nos autoriza, de modo algum, o uso da força, para propagar a fé. É precisamente o contrário: a verdadeira força do cristão é a do vigor da verdade e do amor, que requer a renúncia a toda a violência. Fé e violência são incompatíveis! Fé e fortaleza, pelo contrário, caminham juntas. O cristão não é violento, mas forte. E qual é a sua força? A força da mansidão, a força inerme e enorme do amor.
Irmãos e irmãs: deixemos que fogo do Espírito reacenda a facha olímpica da nossa fé, de modo que «corramos com perseverança para o combate que se apresenta diante de nós! Fixemos então os olhos em Jesus, o guia da nossa fé» (Hb 12,1-4). Na Sua corrida para a meta, Ele não teve medo de «sair queimado». Se não formos heróis medalhados, sejamos, ao menos, dignos da camisola que vestimos, no batismo…
“Nós os cristãos, se formos o que devemos ser, incendiaremos o mundo” (S.ta Catarina de Sena)! Não apagueis este fogo, nem com as águas doces dos rios, nem com as águas salgada do mar…