Aos pobres somos enviados, a partir daqui, a levar a Boa Nova do Pão repartido e do Perdão oferecido. Na verdade, não podemos celebrar dignamente os santos mistérios do Corpo e do Sangue de Cristo, e ao mesmo tempo ofender aquele mesmo Corpo, fazendo divisões e discriminações entre nós, ou permanecendo indiferentes aos pobres.Assim, a celebração eucarística torna-se um apelo constante a cada um para que «se examine a si mesmo»(1 Cor 11,28),sobre a prática concreta e feliz das obras de misericórdia, a começar pela primeira: dar de comer a quem tem fome.
Homilia na Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo – C – 2016
1. «Dai-lhes vós de comer». Foi por aí, pela primeira obra de misericórdia corporal (dar de comer a quem tem fome), que começámos e vivemos uma longa caminhada diocesana, concluída no Pentecostes. Mas, nem de propósito, e antes que nos viesse a tentação de “arrumar o assunto”, e pôr de lado as obras de misericórdia, o Evangelho desta solenidade, vem lembrar-nos sobretudo a primeira e, a partir dessa, todas as outras obras de misericórdia! Aquele belo gesto de Jesus, ao tomar, abençoar, partir e dar o pão, antecipava afinal o gesto supremo e definitivo da Sua entrega, na Última Ceia, ao dar-Se por nós, nos dons sagrados e consagrados do pão e do vinho. E fazer hoje memória desse gesto supremo de Jesus não é simplesmente vir à missa e receber o alimento; mas é partir desta Eucaristia, para a vida do mundo, em gestos renovados, de quem se dispõe a dar tudo e a dar-se todo, a partir e a repartir-se, a multiplicar-se e a dividir-se, para que a ninguém falte o pão de cada dia.
2. Por isso, São Paulo qualifica como «indigna» de uma comunidade cristã a participação na Ceia do Senhor, que se verifique num contexto de discórdia e de indiferença pelos pobres (cf. 1 Cor 11,17-22.27-34). “Este texto bíblico – diz o Papa– é um sério aviso para as famílias, que se fecham na própria comodidade e se isolam e, de modo especial, para as famílias que ficam indiferentes aos sofrimentos das famílias pobres e mais necessitadas. Assim, a celebração eucarística torna-se um apelo constante a cada um, para que «se examine a si mesmo» (1 Cor 11,28), a fim de abrir as portas da própria família a uma maior comunhão com os descartados da sociedade. E depois, sim, receber o sacramento do amor eucarístico” (AL 186).E prossegue o Papa: “Quando os comungantes se mostram relutantes em deixar-se impelir a um compromisso a favor dos pobres e atribulados, ou consentem diferentes formas de divisão, desprezo e injustiça, recebem «indignamente» a Eucaristia. Ao contrário, as famílias que se alimentam da Eucaristia com a disposição adequada, reforçam o seu desejo de fraternidade, o seu sentido social e o seu compromisso para com os necessitados” (Ibidem).
3. Irmãos e irmãs: esta antiga solenidade lembra-nos a honra e a adoração, que tantos cristãos quiseram prestar à presença real de Cristo, que permanece nos dons do pão e do vinho consagrados, mesmo para lá da celebração da Eucaristia. Neste sentido, os nossos irmãos, que nos precederam na fé, cuidaram de dar o seu melhor, para guardar, expor ou adorar este “tesouro” da Eucaristia. Essa “dignidade” litúrgica, vê-se no cuidado artístico e valioso da música sacra, resplandece no brilho dourado ou prateado dos cálices e patenas, das custódias e sacrários antigos! Mas hoje precisamos, sobretudo, de pôr à frente, e em primeiro lugar, a honra que é devida ao Corpo e Sangue do Senhor, que Se «torna, de novo, visível nos pobres, a fim de ser reconhecido, tocado e assistido cuidadosamente por nós» (MV 15). Vai neste sentido, por exemplo, o apelo que temos feito a marcar o ofertório das missas do primeiro domingo do mês, para o cuidado dos pobres.
4.Celebrar “dignamente os santos mistérios” não significa, por isso, que só o linho fino, o ouro ou a prata, têm lugar no altar. Pois quem quer honrar o Corpo de Cristo, no altar da Eucaristia, não O pode desprezar no sacramento do irmão, em tantos calvários deste mundo. “De que serviria, afinal, adornar a mesa de Cristo, com vasos de ouro, se Ele morre de fome na pessoa dos pobres? Primeiro dá de comer a quem tem fome, e depois ornamenta a Sua mesa com o que sobra” (cf. S. João Crisóstomo, 307-407).
5. Assim, a Eucaristia torna-se uma escola autêntica de misericórdia, que atualiza a compaixão de Deus, por cada um. Volta a ressoar, a partir da Eucaristia, o apelo, repetido neste Ano Jubilar: “Pratica a misericórdia com alegria! Felizes os misericordiosos”!