HOMILIA NO II DOMINGO DE PÁSCOA C 2025
1.Celebrámos a Páscoa de Francisco na Páscoa de Cristo e a Páscoa de Cristo na Páscoa de Francisco. Vimo-lo despedir-se do Povo, numa última volta à Praça de São Pedro. E, naquele banho de multidão, realizava-se a palavra da Escritura, que hoje escutávamos: “Traziam os doentes para as ruas e colocavam-nos em enxergas e catres para que, à passagem de Pedro, ao menos a sua sombra cobrisse alguns deles” (At 5,15). Ao menos a sua sombra, o seu olhar, o seu toque de ternura! Foi assim com Francisco, o sucessor de Pedro, a quem todos gostaríamos de tocar, ao menos, uma vez na vida, para tocar nele a proximidade do Senhor em carne viva. O sucessor de Pedro atraiu o olhar e a simpatia do mundo inteiro, pela sua humildade, pela sua simplicidade, pela sua alegria, pelo seu bom humor, pela sua ternura, para com todos. Hoje todos nos abrigamos à sombra de Francisco, nosso «irmão e companheiro nas tribulações, na realeza e na perseverança em Jesus» (Ap 1,9), cujo raio de luz continuará a inspirar e a encorajar os caminhos da Igreja e os sonhos de paz para o nosso mundo.
2.Depois de tudo o que já foi dito, desde o dia da sua passagem deste mundo para o Pai, que poderíamos nós acrescentar? Ao jeito do Papa Francisco, proponho três pontos de reflexão, usando as suas próprias palavras: a esperançaque não engana, a dúvidaque nos faz crescer e a ternuraque torna o amor concreto:
2.1.A esperança que não enganaé Cristo Ressuscitado, o Eterno Vivente, Aquele que vive e vive para sempre: “Estive morto, mas eis-Me vivo, pelos séculos dos séculos e tenho a chave da morte e da morada dos mortos” (Ap 1,18). Dizia Francisco no domingo de Páscoa, na sua última Mensagem à Cidade e ao mundo: “Na Páscoa do Senhor, a morte e a vida enfrentaram-se num admirável combate, mas agora o Senhor vive para sempre (cf. Sequência Pascal) e infunde em cada um de nós a certeza de que somos igualmente chamados a participar na vida que não tem fim, na qual já não se ouvirá o fragor das armas nem os ecos da morte”. Para Francisco, a morte é um novo começo, “porque experimentaremos algo que nunca experimentamos plenamente: a eternidade” (Prefácio ao livro do Cardeal Angelo Scola. 14.2.2025).
2.2.Mas a esperança que não engana, também passa pela dúvida,como por exemplo, a de Tomé, que exige como credenciais da identidade do Ressuscitado as suas chagas, pois um Cristo sem chagas seria uma ilusão ótica – ou como disse São Martinho - uma simulação diabólica. Sim. É necessário passar pelo crivo da dúvida, para crescer na fé e oferecer aos outros as razões da nossa esperança. A respeito da dúvida disse o Papa Francisco a um jovem universitário, que lhe perguntara como anunciar Cristo aos não crentes: “é preciso dar espaço à dúvida”. Podemos ler isto mesmo na última página da sua Autobiografia: “Se uma pessoa diz que encontrou Deus com certeza total, então não está bem. Se alguém tem resposta para todas as perguntas, esta é a prova de que Deus não está com ele. Quer dizer, que é um falso profeta, que instrumentaliza a religião, que a usa para si mesmo. Os grandes guias do Povo de Deus, como Moisés, sempre deixaram espaço para a dúvida. É necessário sermos humildes, deixar espaço ao Senhor, não às nossas fingidas seguranças” (Autobiografia. Esperança, p. 347).
2.3.Por último a ternura. É a ternura de Cristo Ressuscitado que que poisa sobre nós, como a João, a Sua mão direita (Ap 1,17). É a ternura de Cristo Ressuscitado que nos desafia a nós, como a Tomé, a tocar as Suas chagas. “A ternura não é fraqueza: é a verdadeira força” (Ib., 347), e por isso o Papa Francisco desafiou-nos à revolução da ternura. “A ternura não é senão isto: o amor que se torna próximo e concreto. É usar os olhos para ver o outro, usar os ouvidos para ouvir o outro, para ouvir o grito dos pequenos, dos pobres, de quem teme o futuro” (Ib., p. 346). A ternura “é a estrada que os homens e mulheres mais fortes e corajosos percorreram. E assim termina Francisco a sua Autobiografia, com este desafio:“Lutai com ternura e com coragem… Eu sou apenas um passo” (Ib., 347). Que este último passo, o da sua vida, que culminou na sua Páscoa em Cristo, inspire os passos da Igreja com o Papa que vem a seguir.