Homilia no IV Domingo do Advento B 2023
1.“O Senhor anuncia que te vai fazer uma casa”(2 Sm 7,11). Não é uma promessa de campanha eleitoral, num ano fortemente marcado pela crise da habitação. A casa faz parte dos três T’s, que o Papa Francisco acentua como direitos fundamentais da pessoa humana: uma terra, um teto e um trabalho. Falemos do teto, da casa. No coração de cada pessoa habita o desejo de uma casa, o grande anseio pela própria casa: que seja sólida e aonde se possa voltar com alegria; uma casa, onde com júbilo se possa receber cada hóspede que chegar. Há, em nós, o sonho de uma casa, em que o pão quotidiano seja o amor, o perdão, a necessidade de compreensão, em que a verdade seja a fonte da qual brota a paz do coração. É a nostalgia de uma casa, da qual se possa sentir orgulho e cujo desmoronamento nunca seja preciso chorar. Este sonho não é senão a projeção do desejo de uma vida plena, feliz, bem-sucedida. Não tenhamos medo desta aspiração. Por isso é que nós, por mais voltas que demos pelo mundo, em passeio, em trabalho, por fim, queremos sempre voltar a casa. Pedro Abrunhosa canta isto de uma forma extraordinária, quando diz: “Quero ir para casa | Embarcar num golpe de asa | Pisar a terra em brasa | Que a noite já aí vem. || Quero voltar | Para os braços da minha mãe | Quero voltar | Para os braços da minha mãe”.
2. Deus também quer habitar a nossa casa, por dentro. Por isso, o anúncio do Anjo a Maria acontece em sua casa. “O Anjo entrou em casa dela” (Lc 1,28). Em casa, na intimidade e na normalidade da vida doméstica. Não é um anúncio feito com incenso no Templo, como a Zacarias, mas tem lugar em sua casa. Estar na sua casa, recolhida em Si, para dar atenção a quem chega, é para Maria o modo mais adequado de receber o grande Hóspede. A casa é, de facto, o lugar, onde se faz a unidade entre o que está dentro e o que está fora, entre o que se acolhe e o que se recolhe. Como mulher grávida, Maria é a morada onde se opera o mais alto recolhimento hospitaleiro: o de uma nova vida. As mães são sempre a nossa primeira casa, por isso, dizer “quero ir para casa” é praticamente dizer “quero voltar para os braços de minha mãe”. Atenta e acolhedora, recolhida e hospitaleira, Maria torna-se verdadeiramente a Casa de Deus. É belo pensarmos que Deus não perpassa unicamente nas liturgias solenes das Igrejas, nas jornadas mundiais da juventude, mas também e sobretudo na vida comum, no quotidiano da nossa família. A casa não é apenas o lugar onde habitamos e restauramos as nossas forças: é a porta aberta para o infinito, porque Deus fala-nos sobretudo no lugar onde somos nós mesmos, em silêncio e à escuta, com atenção livre. A casa é o primeiro lugar da proximidade de Deus.
3. Sabemos que depois da Anunciação, Maria levantou-Se e foi ao encontro de Isabel, numa visitação de três meses. Podemos imaginar que, findo esse tempo, também Maria sentiu nostalgia e viveu a alegria de voltar a sua casa, de voltar a Nazaré, de voltar à sua terra, às suas gentes, às suas raízes, mesmo se os imprevistos do recenseamento A levaram depois para o parto em Belém. Neste IV Domingo do Advento (quase morre à nascença!), somos desafiados a viver esta alegria do regresso a casa. Porque é lá, em casa, que a fé começa por ser significativa, nos dias de festa e nos dias de lágrimas. É lá na casa, onde a vida celebra a sua festa. É lá que se pode encontrar Deus nos gestos; é lá em casa que se pode falar ao coração; é lá, em casa, que a vida nasce e é guardada e cresce em idade, sabedoria e graça. Bem dizia um velho anúncio publicitário (2011): “a felicidade vem de dentro de casa. Viva mais a sua casa”!
É aí mesmo, na sua Casa, que Deus quer vir, nascer e acontecer. Procuremos fazer parte dos presentes e viver a alegria de voltar a casa, a alegria de voltar às raízes. Façamos chegar esta alegria à casa de cada um com um sorriso, com um gesto bom, com uma pequena ajuda, dando, se necessário, um passo de perdão! Vamos, pois com alegria até casa, à casa de cada um, sem esquecer esta Casa onde estamos, sem esquecer a nossa Casa Comum! Vamos com alegria. Vamos todos a Belém.