Homilia no XXIX Domingo Comum A 2023
1. Volta à carga o tema… da carga fiscal! Também, no tempo de Jesus, metade do orçamento era para pagar impostos, ainda por cima, a uma potência estrangeira! Por isso, a pergunta dos fariseus e herodianos, feita a Jesus, depois de uns elogios mafiosos, é uma espécie de cilada, estudada e matreira, de quem estende um tapete rolante, para apanhar Jesus e O fazer escorregar e cair no que dissesse! Se Jesus dissesse ‘sim’ seria acusado de colaborar com o poder romano e deixaria de ser a esperança de quem via n’Ele um Messias libertador. Se dissesse ‘não’ estaria à perna com o poder político romano, que O acusaria de dissidente e agitador. Preso por ter moeda, preso por não ter!
2. Mas Jesus, que lhes conhecia a malícia, fê-los tirar do bolso a moeda que usavam, onde estava inscrita a imagem de Tibério, coroado de grinaldas, como filho de um deus. Ora, o uso das imagens era proibido pelo 1.º e 2.º mandamentos. E, deste modo, os fariseus entram em clara contradição. Depois, Jesus deu aquela resposta, que fez história na história da gente: «Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus». Ou, se quisermos ser mais rigorosos na tradução: “devolvei então as coisas de César a César e as coisas de Deus a Deus». Que significa isto?
2.1. Devolver a César o que é de Césarsignifica que a César, isto é, ao Estado é devida a distribuição do dinheiro, que faz girar a economia e do qual é preciso retirar uma parte a cada um para o bem de todos. Significa que a César, isto é, àqueles que têm o poder de governar, devemos respeito e colaboração, mas não uma vénia ou um culto. Significa também exercermos a nossa cidadania, isto é, darmos tudo por tudo pela dignidade da pessoa humana, por um mundo melhor. Significa vivermos a alegria do serviço, colaborarmos nas associações, nos partidos, nas autarquias, nas discussões públicas, procurando o bem comum. É nosso dever. É nossa salvação!
2.2. Mas Jesus vai mais longe. E fala, por assim dizer, dos direitos de Deus: “Devolvei a Deus o que é de Deus”. Significa que só Deus merece por inteiro a nossa vida. É Deus a fonte da nossa vida. A Ele devemos e nos devemos inteiramente. E nenhuma moeda o pode pagar. O valor da dignidade da pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus (Gn 1,26-27), não é negociável a nenhum título ou preço. Mas isto também significa que nenhum homem, nenhuma mulher, pode ocupar o lugar de Deus. Disse-o claramente o Papa Francisco, ao justificar o título “Louvai a Deus” (Laudate Deum)da sua recente Exortação Apostólica sobre a crise climática: “Um ser humano que pretenda tomar o lugar de Deus torna-se o pior perigo para si mesmo” (Papa Francisco, Laudate Deum, n.º 73), para os outros e para o mundo. Isto significa que eu próprio tenho de vencer a tentação de me tornar um deus, de me impor como centro do mundo, adorado e servido pelos outros.
3. Neste Dia Mundial das Missões, rezamos por tantas vidas que, precisamente por serem devolvidas a Deus, voltadas para Ele, se tornaram vidas dadas e sacrificadas pelos irmãos. Tantas vidas missionárias, aquém e além-mar, que por serem pertença exclusiva do Senhor, se entregaram inteiramente ao desenvolvimento integral das pessoas e dos povos. Deus e a pessoa humana são, na verdade, as duas faces da mesma moeda. Perguntemo-nos, em jeito de exame de consciência missionária: a minha entrega a Deus e à missão é uma parte ou um ornamento da minha vida? Ou tem a marca da entrega total? Devolvo a Deus tudo o que sou e tenho? Ou apenas uma parte de mim e do que me sobra? Sirvo a comunidade para a maior glória de Deus e para o bem comum? Ou sirvo-me da missão para a minha promoção pessoal? A minha vida gravita no íntimo de Deus e à volta dos outros ou gira em torno de mim mesmo?
Irmãos e irmãs: a Eucaristia, celebrada no Dia do Senhor, destina-se a devolver a Deus tudo o que d’Ele recebemos. Professemos, hoje, com a celebração e a vida, que só Deus é o Senhor. Só a Ele toda a honra, glória e louvor!