Homilia na Comemoração de todos os fiéis defuntos 2022
1. “As mulheres foram ao sepulcro, levando os perfumes que tinham preparado” (Lc 23,1). Dão um toque bem feminino e continuam os gestos corajosos de José, membro do Sinédrio, que envolveu o corpo morto de Jesus num lençol e O depositou num sepulcro novo. Visitar o túmulo do grande amigo, ungir o corpo morto de Jesus, perfumá-lo, é um gesto de grande ternura, uma obra de misericórdia, um selo de amor sobre a própria morte. Estas mulheres demonstram a coragem de enfrentar, com realismo, sem fugas nem estados de negação, a perda do amigo. Elas não têm medo de tocar o cadáver frio, do qual já não se pode receber a resposta do calor humano, mas cuja vida consumada por amor continua a falar-lhes ao coração. Elas não pretendem ungir Jesus, para encobrir a sua morte, para fazer parecer que está vivo, como o fazem agora as funerárias, nos cuidados cosméticos do cadáver, dando-lhe uma certa aparência de vida, como se fosse possível e desejável ter um morto que não tivesse morrido. Não. Elas não se deixem levar pelo mito da eterna juventude, que é capaz até de sonhar com a abolição da morte. Elas não fogem à realidade da morte nem evitam o contacto pessoal com o seu amigo morto. Elas sabem que esse toque, esse olhar, as humaniza. Como poderíamos conhecer a fundo a nossa humanidade, na sua miséria mortal e na sua grandeza eterna, sem tocar a realidade da morte, num corpo morto?!
2. Creio que o gesto destas mulheres, na sua cumplicidade tão íntima com o mistério da vida, destina-se, sobretudo, a selar e a confirmar a morte, mas acena também a confiança secreta e discreta de que, apesar de tudo, o amor ainda poderá remover a pedra do sepulcro, porque o amor é sempre mais forte do que a morte (Ct 8,6)! De algum, modo, há nesta visita ao túmulo uma friesta aberta de esperança, no caminho de transformação da semente do corpo lançado à terra. O ser humano é húmus, vem da terra e para ela volta. Contudo volta à terra, como uma semente caída da planta, regressa ao lugar de onde veio, como uma promessa de vida.
3. Esta é, pois, uma grande lição para este nosso tempo, em que a morte já não tem lugar em nossa casa, em que a morte se tornou tabu de qualquer conversa, realidade clandestina a evitar, a apressar e a despachar o mais depressa possível, fora do nosso olhar, do nosso toque, do nosso cheiro. O sucesso da cremação, talvez se perceba no contexto desta fuga à realidade nua e crua da morte, da qual desejamos não restarem quaisquer vestígios. Também nisto, damos a impressão de que o corpo só nos interessa enquanto nos for útil. Porque será que queremos anular definitivamente – numa desaparição tão rápida – os que deviam perdurar na nossa memória e hão de ressuscitar para a vida eterna? Não podemos esperar a ressurreição dos mortos, se não enfrentarmos com humildade a realidade da morte!
4. Foi talvez por esta coragem de enfrentar a morte, que estas mulheres puderam escutar na manhã de Páscoa a notícia da Ressurreição do Senhor: «Porque buscais entre os mortos Aquele que está vivo? Não está aqui: ressuscitou» (Lc 24,5). “Ele vive! (…) Aquele que nos enche com a sua graça, Aquele que nos liberta, Aquele que nos transforma, Aquele que nos cura e consola é Alguém que vive. É Cristo ressuscitado, cheio de vitalidade sobrenatural, revestido de luz infinita” (Ch. Vivit, n.º 124). Por isso, esta notícia luminosa atinge-nos a todos, como bem o exprimem as velas acesas. Ele morreu por nós, incarnando a palavra do amor até dentro da própria morte. Ele ressuscitou para nós, para nos fazer ressuscitar com(o) Ele. Ele foi o primeiro que começou a viver a Vida bela e plena, que vai para além da morte. Por isso, “se morremos com Cristo, acreditamos que também com Ele viveremos” (Rm 6,8).
5. Irmãos e irmãs: não há nada mais consolador do que saber que o nosso corpo ressuscitará transformado, que a morte e a consequente separação das pessoas queridas não é a última palavra! Não procuremos cosméticas de aparência, para mascarar a realidade da morte. Seja Cristo Vivo e Ressuscitado, “a mais formosa juventude do mundo” (Christus vivit, n.º 1), o verdadeiro bálsamo para as feridas do nosso luto pela morte e da nossa luta pela vida, pelos séculos sem fim! Ámen.