Homilia no XXII Domingo Comum 2022
1.O mês de setembro traz-nos de volta a casa, ao trabalho, à escola, à paróquia, aos lugares-comuns da nossa vida. Desfeitas as malas, é tempo de programação, de planificação, de desenhar projetos, sonhos, objetivos. Para tal, é bom que nos sentemos a deitar contas à vida com as suas perdas e ganhos, a medir forças e resistências para uma luta renhida contra o Mal, a discernir um caminho com saída para a vida verdadeira, nas pequenas e nas grandes escolhas da nossa vida.
2. E este novo ano (laboral, escolar, pastoral) obrigar-nos-á a sentarmo-nos para calcular, ainda com mais cuidado e rigor, a despesa e a receita, para tomar balanço aos projetos sonhados, para ver se temos com, como e com quem os concluir. Tal esforço de atenção ao ideal e ao concreto da nossa vida pessoal, da vida das nossas famílias e da vida das nossas comunidades, terá de ser ainda maior. Basta termos em conta, a nível social, o aumento das taxas de juro no crédito à habitação, a prevista subida das rendas, a escalada da inflação, a crise energética e a consequente subida dos preços da eletricidade e do gás. E a falta de água, em tempos de seca severa, está aí como um grito amargo da criação, que é preciso ouvir, pois está a clamar por uma renúncia ao esbanjamento, maior contenção e sobriedade no consumo. Nas nossas comunidades cristãs, em processo sinodal, depois de um ano de ampla escuta, é preciso que nos sentemos a considerar as renúncias a fazer, as opções a tomar, os caminhos a percorrer, não para agradar à opinião pública ou publicada, mas para sermos fiéis a Cristo e ao Seu Evangelho.
3. Ora, Jesus Cristo – “que não sabia nada de finanças nem consta que tivesse biblioteca” (Fernando Pessoa), e, ao que parece, também não foi à tropa – conhecia bem os princípios básicos da economia e da estratégia militar. Fosse hoje e Jesus recomendar-nos-ia que preenchêssemos cuidadosamente uma folha de cálculo, em várias colunas: a coluna das despesas e a dos recursos, a coluna das necessidades e a coluna dos apoios, para não fazermos torres no ar. Fosse hoje e, antes de travar uma luta ou de começar uma guerra, mediríamos primeiro fraquezas e forças, aliados e inimigos, previsões e provisões. Com tudo isto, Jesus insinua que se não for Ele a edificar a casa, em vão trabalham os que a constroem (cf. Sl 127,1). Só graças a Ele, que põe sobre nós a Sua mão, é que nos tornaremos vencedores (cf. Rm 8,37-39) no difícil combate pelo bem, pela vida maior.
4. Com esta linguagem tão bela das parábolas, Jesus põe-nos a fazer um exercício de realismo, dando-nos conta de que segui-l’O até ao fim, até Jerusalém, até à Cruz, tem um preço, tem um custo: é dispor de si (da sua vida), é dispor do que é seu (dos seus bens materiais e espirituais) e é mesmo dispor dos seus mais íntimos (dos seus familiares). E será que Jesus nos inveja os bens ou nos quer longe dos familiares? Não. N’Ele a vida e os bens permanecem bens e bons, mas multiplicam-se dividindo-se. N’Ele, a relação com os familiares permanece sagrada, mas é desatada dos nós-cegos que a destroem para ser refeita de laços libertadores que a tornam santa. Aquele que nos pede tudo, também nos dá tudo (cf. GE, n.º 175).
5. Queridos irmãos e irmãs: com o novo ano letivo, laboral e pastoral, à porta, sentemo-nos então a considerar, a discernir, com realismo e esperança, o que Deus quer de nós e para nós, na graça do presente que queremos abraçar. Proponho, por isso, que, por estes dias, cumpramos este dever de nos sentarmos um pouco, a sós ou em casal, diante do Senhor, com uma folha branca diante dos olhos, uma espécie de folha de cálculo, que nos ajude a elaborar o caderno de encargos da nossa vida, em casal, em família e em comunidade, pelo menos com duas colunas: a dos recursos e apoios de que dispomos e a dos custos e renúncias que nos dispomos a sacrificar, sem perder nunca de vista o objetivo: o de sermos cada um o Onésimo do outro, o de sermos úteis à construção do Reino, na luta por um mundo melhor.
