Homilia no XVI Domingo Comum C 2022
1. Abraça o presente. Juntos por um caminho novo!É o lema do novo ano pastoral 2022-2023. Partindo da imagem bíblica do abraço de saudação entre Maria e Isabel, a nossa Diocese do Porto, que se prepara para receber milhares de jovens por ocasião da próxima Jornada Mundial da Juventude, quer aproveitar esta oportunidade excecional para valorizar e melhorar a formação e a prática do acolhimento pastoral e da hospitalidade, como marca distintiva de uma Igreja, Mãe de coração aberto. E a Liturgia deste Domingo, oferece-nos duas belas imagens da hospitalidade: a de Abraão e de Marta e Maria, que recebem Jesus em sua casa.
2. Fixemo-nos hoje sobretudo na hospitalidade de Abraão a três personagens, desconhecidas e misteriosas. Abraão descobre nesta visita inesperada a passagem de Deus, que chega sempre de surpresa. O seu pedido é semelhante ao dos discípulos de Emaús: “peço-te que não passes adiante sem parar em casa do teu servo (Gn 18,3). Neste belo texto da 1.ª leitura, revelam-se, em Abraão, cinco traços de uma personalidade hospitaleira[1], que bem podem inspirar-nos:
2.1. Abraão tem a porta da casa aberta. Abraão não está ocupado. Está em casa, sentado, recolhido na própria casa, quer dizer, disponível para a surpresa de quem vier por bem. Hoje o estar ocupado tornou-se uma espécie de etiqueta social. Quando damos sinais de andar preocupados, os outros não se aproximam, para não incomodar. Mudemos a mensagem da tabuleta, escrevendo: «Desocupado».
2.2. Abraão dá as boas-vindas. Não fica a falar de si todo o tempo. Não se protege receoso de quem se aproxima, mas prostra-se e saúda os visitantes. Para ele, o outro não é um intruso hostil, um estranho, mas é um dom de Deus, porque traz consigo o bem à sua casa. A pobreza é esta disposição interior que permite baixar as defesas e transformar os inimigos em amigos, a hostilidade em hospitalidade: a minha casa é a tua casa.
2. 3. Abraão percebe aquilo de que o outro sofre e tem necessidade: água para lavar os pés sujos e cansados da caminhada, pão para restaurar as forças e só depois manteiga, leite e o vitelo tenro e bom. A primeira toalha é a do lava-pés, a do serviço ao outro e a da escuta paciente, de quem se senta aos pés para escutar!
2.4. Abraão dá tudo aquilo que tem,dispondo dos seus bens paraquem passa privações. Ora quem dá o que tem a mais não é obrigado e ainda fica agradecido.
2.5. Abraão dá espaço ao outro, cria um vazio afetuoso, franqueia a tenda, a comida, o serviço, o tempo e dá-lhes espaço, para que os visitantes sejam os protagonistas do encontro. A hospitalidade não visa mudar as pessoas, mas oferecer-lhes espaço para o encontro com a novidade e a diferença, espaço para a partilha e para o confronto. Quando a hostilidade se converte em hospitalidade, os convidados revelam aos seus anfitriões a promessa de futuro que trazem consigo. Quando acolhemos Deus no outro, sem pressa, sem restrições, sem desconfianças, Ele torna fecunda a nossa vida. Hospedar e ser hospedado são duas experiências que se entrecruzam, duas faces da mesma experiência de amor, de modo que praticando a hospitalidade, nos tornámos hóspedes de Deus!
3. Numa palavra, Abraão quer que Deus pare e fique em sua casa, que não passe ao lado, que se torne familiar no estranho, próximo no distante, surpreendente no mistério fascinante de cada pessoa. Também hoje, Cristo, hóspede e peregrino no meio de nós, imigrante ou refugiado, órfão ou separado, doente ou abandonado, incompreendido ou excluído, sem abrigo ou sem companhia, perdido ou em busca, espera ser acolhido. Sejamos nós essa porta que mora a espera (Daniel Faria), pessoas-soleira, que sabem acolher no amor, por amor e com amor, para que os outros se sintam sempre como na sua própria casa: lá na casa de cada um e nesta casa que é de todos. Em cada pessoa que Deus te visitar e colocar no caminho, o segredo da hospitalidade é este: abraça o presente! E receberás o futuro!
[1] Seguimos aqui o pensamento de CARMINE DI SANTE, Lo straniero nella Bibbia, pp. 100-104, citado por TIAGO FREITAS, Colégio de Paróquias, Ed. Paulinas 2018, 241-249,