Homilia no 5.º Domingo da Quaresma C 2022
1. Mais uma vez, os fariseus e escribas, que se tinham por paladinos da justiça, tomam as duas tábuas da Lei, como duas pedras na mão. Mas esquecem, desde logo, a outra parte da lei, que determinava, em caso de adultério, a morte do homem e da mulher (Lv 20,10; Dt 22,22). Curiosamente do cúmplice masculino não se fala aqui. Acusa-se e discrimina-se apenas a mulher, que carrega, sozinha e sobre si, toda a herança do pecado. Jesus, pelo contrário, antes ainda de se dirigir à mulher, desperta a consciênciado pecado nos homens, quando escreve no chão, como outrora o dedo de Deus inscrevera a Lei sobre duras pedras (Ex 31,18; Dt 9,10). E assim recordava aos inquisidores de ofício as palavras do profeta Jeremias: «os que se afastam de Deus serão escritos no chão» (Jr 17,13).
2. Jesus parece dizer aos acusadores de todos os tempos: “esta mulher, com todo o seu pecado, não é também, e antes de tudo, uma confirmação das vossas transgressões, da vossa injustiça «masculina», dos vossos abusos”?! Com o seu gesto libertador de perdão, Jesus reconhece e restitui a dignidade humana àquela mulher e a todas as mulheres, sobre as quais pesam tantas injustiças, violências, discriminações, ontem como hoje, no seio da família, da sociedade e da Igreja.
3. Importa, por isso, reler os evangelhos e a tradição primitiva da Igreja, para perceber que a dignidade e a missão da mulher foram altamente valorizadas pelo cristianismo nascente, em contraciclo com a cultura da época. Mas os esquemas patriarcais, machistas, depressa se infiltraram na Igreja e abafaram este sopro revolucionário do Evangelho, que é preciso agora reativar, repetindo, vezes sem conta, que em Cristo não há homem nem mulher (Gl 3,28). Disse-o São Paulo, cujo nome é tantas vezes invocado em vão, para retroceder, em relação à valorização do papel da mulher na vida e missão da Igreja. Poucos, porém, como ele, se atreveriam a dizer que tinham mulheres como colaboradoras e dificilmente as reconheceriam e integrariam com tanta generosidade!
4. Uma das questões que a Igreja tem de enfrentar neste Sínodo é a do lugar da mulher na Igreja, tais são as discriminações, de que ainda é vítima. Somos uma Igreja, que tem nome e género feminino; somos uma Igreja que se apresenta como Esposa e Mãe; somos uma Igreja que põe Maria em lugar superior ao do Colégio Apostólico. E, todavia, somos uma Igreja, com uma pesada estrutura masculina de poder clerical. Se, por um lado, a nossa experiência pastoral mostra bem «o peso» das mulheres e a sua elevada «quota» nas fileiras da Igreja, por outro revela também esquemas de servidão inaceitáveis e ridículas, onde o serviço da mulher se confunde com o da mulher de serviço, um serviço que é servidão.
5. Procuremos pensar melhor o lugar da Mulher na Igreja, a partir do específico do seu génio feminino, começando por ouvir a voz das mulheres, no seu próprio tom e registo, porque delas sabem mais elas do que todos os homens que falam delas. Sejamos capazes de ampliar os espaços, para uma presença feminina mais incisiva na sociedade, no trabalho, na Igreja. Demos-lhe vez e voz nos lugares oficiais de escuta, de planeamento e de decisão, onde a sua visão e intuição, a sua sabedoria e sensibilidade, a sua solicitude e maternidade, o seu afeto e ternura, se possam manifestar e contar verdadeiramente (cf. EG 103). Tenhamos a esperança de um futuro gerado pelo génio feminino, valorizando a costela feminina da Igreja.
6. Irmãos e irmãs: peçamos perdão por todas as formas de inferiorização e discriminação, de uso e abuso das mulheres, na família, no trabalho, na sociedade e na Igreja. Sejamos gratos, por todas as manifestações do génio feminino e por todos os frutos da santidade feminina, ontem e hoje. E invoquemos Maria, a bendita entre as mulheres: “Ajuda-nos ó Mãe da carícia, Senhora da ternura, a deitar ao chão as pedras mortas e mortais do passado; inspira-nos a leveza, a liberdade e a criatividade, para nos lançarmos corajosamente em frente, por um caminho novo. Ensina-nos a construir, com pedras vivas e vitais, uma Igreja, onde homens e mulheres, seguem e servem a Cristo, juntos e de mãos dadas”.