Homilia no 3.º Domingo da Quaresma C 2022
1. A crónica de Jesus (Lc 13,1-5) inclui duas notícias horríveis, que fariam manchete em qualquer meio de informação. Pilatos até parece um aprendiz do diabo à beira de Putim, ao mandar derramar o sangue de certos Galileus, mas o facto é que chegará ao cúmulo de sacrificar o Sangue de Jesus, o único Justo. As vítimas mortais da queda da Torre de Siloé não são comparáveis às vítimas inocentes dos ataques russos à Ucrânia, mas o exemplo é ambos casos interpelador: ninguém está livre de um ataque repentino, de uma morte súbita. Isto não acontece só aos outros, mas a qualquer um e quando menos se espera… Na verdade, nos dois tristes casos, Jesus não faz um juízo sobre vítimas e culpados, mas deixa um aviso a todos: é preciso converter-se para encontrar a vida verdadeira. E esta conversão não deve ser adiada para amanhã, para depois de amanhã, para o ano seguinte: amanhã e depois de amanhã, para o ano, será tarde. Há que decidir-se hoje a arrepiar caminho, a mudar de vida, pois se não vos converterdes morrereis todos do mesmo modo. Ninguém se julgue seguro, em nenhum abrigo. Diz-nos São Paulo: se alguém se julga de pé, tenha cuidado para não cair (1 Cor 10,12)!
2. A parábola da figueira (Lc 13,6-9), que vem logo a seguir reforça o apelo veemente de Jesus à conversão. O dono da vinha não estava para meias medidas: há três anos que venho procurar frutos nesta figueira e não os encontro. Deves cortá-la, disse ao vinhateiro. Mas o vinhateiro, aquele que cuida com amor, cava e aduba a sua figueira, pede ao dono da vinha mais uma oportunidade: só mais um ano. Talvez venha a dar frutos. Se não der mandá-la-ás cortar no próximo ano.
3.A nossa tentação é a de escutarmos esta crónica e esta parábola e insistirmos na infinita paciência de Deus, que espera uma e outra vez, ano após ano, para que nos tornemos essa boa árvore que dê bons frutos. É verdade, que o dono da vinha representa Deus Pai e que o vinhateiro é a figura de Jesus, que intercede por nós junto d’Ele, para que sejamos salvos do pecado e da morte. Mas não esqueçamos uma coisa: a paciência de Deus é infinita, mas o tempo da nossa vida é limitado; o prolongamento do prazo por mais um ano não é para adiarmos a conversão, mas para aproveitarmos o tempo presente (Ef 5,16), este tempo favorável, para que a árvore da nossa vida dê bons frutos. Portanto, a infinita paciência de Deus não adia, antes reclama a urgência da nossa conversão. É necessário colher esta oportunidade e acolhê-la imediatamente; caso contrário perder-se-á para sempre.
4.Talvez estes três anos da figueira, sem dar fruto, sejam uma imagem dos três anos do ministério público de Jesus: um tempo precioso de graça, um tempo favorável, mas que foi ignorado, perdido, desaproveitado, rejeitado, por tantos contemporâneos de Jesus, que não deram qualquer fruto apesar de tão generosa sementeira. Todavia, podemos também olhar para estes três anos e pensar nas nossas três últimas quaresmas: em 2020, estávamos no início de uma assustadora pandemia e todos tínhamos a expetativa de que um aviso tão sério nos havia de tornar melhores pessoas. Mas parece que a pandemia revelou mais fragilidades do que acalentou mudanças. Em 2021, passamos quase toda a Quaresma, num segundo confinamento, que todos diziam ser impensável e impossível. E, muito a custo, habituámo-nos a conviver com um vírus medonho e traidor, aspirando apenas a voltar ao normal, ao antigamente. Em 2022, quando nos preparávamos para virar a página da pandemia, fomos surpreendidos com a terrível guerra na Ucrânia, que mudou completamente o cenário do mundo, tal qual o conhecíamos.
5. É oportuno então voltarmos às perguntas do início desta Quaresma que já vai a meio: de que estamos à espera para uma conversão pessoal das nossas vidas? De que estamos à espera para perceber a urgência de uma mudança, de uma renovação inadiável na nossa vida pessoal e pastoral? De que estamos à espera para extirpar o mal, semear e praticar o bem? Se este não é o tempo favorável, que outro tempo o será?