Homilia no II Domingo Comum B 2021
1. Mestre, onde moras? Fosse o jovem Samuel a responder e diria que Ele mora no Templo, nesse Templo que lhe era tão familiar, como a sua própria casa. A tal ponto que Samuel dormia ali, sempre alerta para servir, mas ainda com o ouvido embotado e desafinado para a escuta da Palavra de Deus. Apesar de conhecer bem os cantos da casa, Samuel ainda não conhecia o Senhor. Há muita gente assim, a vaguear nos nossos templos: gente voluntariosa e generosa, pronta a servir; gente que ouve missa inteira, e de corpo presente, mas, muitas vezes, são pessoas incapazes de distinguir a voz do Senhor; ainda não O conhecem, nem amam, nem seguem, nem servem, porque a Palavra de Deus nunca se lhes manifestou em toda a sua beleza e riqueza! Não basta, pois, frequentar e morar no Templo, se o coração não se demora e enamora na escuta d’Aquela voz que está à porta e chama à intimidade com Ele. Façamos deste Templo, que habitamos, lugar da escuta atenta da Palavra de Deus, do discernimento da voz do Senhor.
2. Mestre, onde moras? Fosse São Paulo a responder e diria que Ele mora dentro de nós, que Ele nos habita, neste Corpo que somos, como em seu Templo Santo. Santo Agostinho confessou-o assim: “Vós estáveis dentro de mim, mas eu estava fora e fora de mim vos procurava. Estáveis comigo e eu não estava convosco. Chamastes, clamastes e rompestes a minha surdez”. Para captar esta presença íntima de Deus, aprendamos a habitar de silêncio orante o nosso Corpo.
3. Mestre, onde moras? “Os primeiros discípulos foram ver onde morava e ficaram com Ele nesse dia” e ali se demoraram e enamoraram de Jesus, a tal ponto que João fixou a hora décima da sua “Estrela da Tarde”. Era por volta das quatro horas. E André não resiste a procurar o irmão Pedro, para lhe dar a conhecer o Messias, que acabara de encontrar. A casa de Jesus tornou-se assim o lugar onde os discípulos entram não só para ficarem como hóspedes, mas também para se tornarem a nova família de Jesus, todos irmãos e todos de casa.
4. Mestre, onde moras? Fosse hoje Jesus a responder e talvez nos dissesse: moro na tua casa, onde quero ficar, falar-te ao coração, onde te quero habitar e ser a tua Luz sobre a mesa, onde quero ser de casa para sempre. A experiência da pandemia põe em evidência o papel central da família como Igreja doméstica. De facto, “o fecho das igrejas às celebrações comunitárias, nos inícios da pandemia, deverá ter-nos aberto os olhos para descortinar um outro modo de ser Igreja, feito não só de liturgia e de oração [no templo],mas de vida quotidiana, até que toda a vida se torne oração e a oração[se transforme em]vida”. Percebemos então como “que talvez a primeira catequese seja a que é feita em casa, pelos pais, avós, tios, irmãos. Temos a oração da Eucaristia, mas há também a oração da manhã, da noite, antes das refeições e o terço, entre outras. É um desafio a redescobrir a oração doméstica, a promover uma autêntica espiritualidade familiar e levar a sério a Liturgia da Palavra em casa. São João Crisóstomo, dirigindo-se aos pais de família, dizia: «Com a vossa mulher e os filhos repitam juntos a Palavra escutada na Igreja. Voltem a casa e preparem duas mesas, uma com os pratos para a comida, a outra com os pratos da Escritura (…), façam da vossa casa uma Igreja»” (CEP, Desafios pastorais da pandemia à Igreja em Portugal,15-16).
5. Preparemos o próximo Domingo da Palavra criando, em casa, um espaço digno para a entronização da Bíblia, à volta da qual nos reuniremos, ao menos, uma vez por semana, para escutar e partilhar em família o Evangelho dominical. Que o Ano da Família “Amoris laetitia”, a iniciar a 19 de março, com a marca de São José, seja ocasião favorável para intensificar o hábito de rezar, de escutar e de celebrar a Palavra de Deus, numa liturgia familiar, e de fazer a oração da bênção da mesa. Façamo-lo não para substituir ou dispensar a Eucaristia do domingo, celebrada em comunidade, sempre que nos for possível, mas para a preparar ou prolongar. Que este exercício familiar nos torne todos discípulos missionários de Jesus, prontos a procurar, a encontrar, a escutar, a crescer, a seguir e a servir o Senhor, com a prontidão interior de Samuel: “Falai, Senhor, que o vosso servo escuta” (1 Sm 3,9).
