Homilia no XXXIII Domingo Comum A 2020 | IV Dia Mundial dos Pobres
1.Um elogio à mulher virtuosa era coisa que não lembraria a um judeu piedoso, para quem a mulher estava confinada ao governo da casa e não devia pôr o nariz fora da porta! A mulher, de que fala o poema alfabético a concluir o Livro dos Provérbios, movimenta-se em todas as direções e não é, por isso, a esposa de nenhum felizardo. A mulher é a imagem ou a personificação da sabedoria, isto é, do próprio sentido da vida e de todas as coisas que realizamos. Algumas das qualidades atribuídas à mulher virtuosa – nomeadamente quando se diz que ela “abre as mãos ao pobre e estende os braços ao indigente” (Pr31,20)– são referidas, na Bíblia, a respeito do Homem justo, de todo o crente, homem ou mulher, que vive em harmonia e sintonia com a vontade de Deus. Por isso, a sabedoria antiga de Israel dispôs estas palavras, para homens e mulheres, como um código sagrado, que se deve seguir na vida: “Estende a tua mão ao pobre” (Sir 7,32). Este desafio, que brota da boca do Eclesiástico, um sábio ancião de Israel, é precisamente o lema proposto pelo Papa Francisco para este IV Dia Mundial dos Pobres.
2.Estender a mão ao pobre é fonte de sabedoria, porque nos leva a descobrir que, dentro de nós, há a capacidade de realizar gestos simples, que dão sentido à vida. Quantas mãos estendidas se veem todos os dias! Nestes meses, em que o mundo inteiro é dominado por um vírus que trouxe dor e morte, desconforto e perplexidade, solidão, desemprego e desigualdade, podemos ver, apesar do seu escondimento, tantas mãos estendidas: a mão estendida do médico que se preocupa com cada paciente, procurando encontrar o remédio certo; a mão estendida da enfermeira e do enfermeiro que permanece, muito para além dos seus horários de trabalho, a cuidar dos doentes; a mão estendida de quem trabalha na administração e providencia os meios para salvar o maior número possível de vidas; a mão estendida do farmacêutico, exposto a inúmeros perigos, num arriscado contacto com as pessoas; a mão estendida do voluntário, que socorre quem mora na rua e a quantos, embora possuindo um teto, não têm nada para comer; a mão estendida de homens e mulheres que trabalham para prestar serviços essenciais e de segurança; a mão estendida do sacerdote que, com o coração partido, continua a abençoar. E poderíamos enumerar ainda outras mãos estendidas, até compor uma ladainha de obras de bem, realizadas por tantos santos desconhecidos, de ao pé da porta (cf. GE 7).
3.«Estende a mão ao pobre» (Sir 7,32)é, pois, um convite à responsabilidade, sob forma de empenho direto, de quem se sente parte do mesmo destino, habitante da mesma casa, membro da mesma família, filho do mesmo pai e da mesma mãe, irmão de todos. Este não é um tempo para meter as mãos nos bolsos, para fugir dos que choram, para ignorar os que sofrem. Este é um tempo favorável para voltar a sentir que precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo.
4.Em todas as nossas obras, lembremo-nos do nosso fim (cf. Sir 7,36). Salta à vista que a riqueza dos bens materiais não resgata a nossa vida, mas poderá resgatar muitas pessoas de vidas indignas e, por isso, deve ser distribuída e partilhada. A nossa vida não pode ser resgatada e salva pelos nossos bens materiais, mas a riqueza do que temos pode ser resgatada pela comunhão dos nossos bens (cf. Luigino Bruni, Avvenire, 12 de julho de 2020).
5.E se mais não tivermos para dar, um sorriso que partilhamos com o pobre é fonte de amor e permite viver na alegria. Possa então a mão estendida enriquecer-se sempre com o sorriso de quem não faz pesar a sua presença nem a ajuda que presta, mas de quem se alegra apenas em seguir Jesus.
Estendamos a mão, dêmos um sorriso, a tal ponto que “a nossa opção pelos pobres nos conduza à amizade com eles” (FT 234).