Liturgia e Homilias na Comemoração de Fiéis Defuntos 2020
Destaque

Ontem não pudemos ser fiéis à bela tradição popular de uma romagem ao cemitério, para uma oração comunitária, para o gesto terno de colocar flores e acender uma vela sobre os restos mortais de um familiar. São gestos simples, que antecipávamos para o dia feliz de Todos os Santos. Na flor está o sinal promissorda vida nova que florirá daquele corpo lançado à terra como o grão de trigo. Na vela entrevemos o esplendor da luz perpétua, a partir daquela vida que se consumiu até ao fim, para ser consumada e ateada no fogo daquele amor que não acaba. Mas, graças a Deus, podemos ainda rezar por eles. Isso pode não só ajudá-los, mas também tornar mais eficaz a sua oração em nosso favor. Mas mais e acima de tudo isto, podemos celebrar juntos a Eucaristia, em comunhão com todos os nossos irmãos e irmãs. «A Igreja oferece pelos defuntos o sacrifício eucarístico da Páscoa de Cristo, a fim de que, pela mútua comunhão entre todos os membros do Corpo de Cristo, se alcance para uns o auxílio espiritual e para outros consolação e esperança»(IGMR 379).Que esta celebração “aumente em nós a esperança de que os nossos irmãos e irmãs, chamados a ser pedras vivas do templo eterno de Deus, ressuscitarão gloriosamente com Cristo” (cf. Ritual das Exéquias, n.º 97).

HOMILIA NA COMEMORAÇÃO DE FIÉIS DEFUNTOS 2020

 

1. Mais um prego no caixão desta morte que nos mata de solidão, em tempos de pandemia! Ontem não pudemos ir em romagem aos cemitérios, para ali fazer uma oração comunitária. Temos de nos reinventar, no nosso modo de viver e de celebrar a vida, no nosso modo de celebrar e viver a morte, unidos a Cristo na sua Páscoa, na esperança cristã da Ressurreição. A Eucaristia, que une o Céu e a Terra,que celebra e anuncia a morte e a ressurreição do Senhor, até que Ele venha, é ainda e sempre o melhor lugar para celebrar, à mesa de irmãos e irmãs, esta comunhão alargada entre os peregrinos da Casa do Pai e aqueles que habitam já a sua Casa.

2. Tenho vivo na memória o cenário dramático de algumas mortes e funerais, em tempos de confinamento e desde aí. E dói-me ainda a dor de quem viu partir o seu ente querido sem um derradeiro abraço, tendo este talvez, como última manifestação de amor, o olhar impotente de um médico ou enfermeiro, num sorriso que se escondia por detrás de uma máscara. Mais do que nos ter morrido alguém querido, dá a impressão de nos ter desaparecido alguém, que nos foi subtraído do nosso olhar curativo, numa espécie de saída furtiva do cenário desta vida. São dois dramas num só ato: o de quem morreu, sem uma presença familiar junto de si, e o das famílias, que nem sequer se puderam despedir, com a ternura dos afetos.

3. O luto na era da COVID-19 não é só o luto pelos que nos morrem. É o luto pela última imagem que não tivemos, pelas palavras que não dissemos, pela homenagem que não fizemos, pelos abraços que não pudemos dar.  E quando até os ritos exequiais da despedida são negados,ocultados ou abreviados, o aguilhão da morte pode ficar-nos perigosamente colado à pele. Precisamos, por isso, de dar um significado pascal a uma espécie de morte, que nos aparece como injusta e clandestina. Daí a importância, para uma lenta elaboração do luto, de podermos celebrar os ritos exequiais, que dão expressão à dor e à perda de quem se sente assaltado por tal morte furtiva. Precisamos de ritos. O rito é próprio do ser humano e onde faltam os ritos de despedida há uma clara falha de humanidade, que nos atira para uma nova solidão que se acrescenta à solidão da própria morte.

4. Tais situações dolorosas requerem uma ajuda espiritual emergente, para elaborar o luto, que não é mais do que uma lenta ressignificação da trama da vida e do trauma da morte.  Como viver então o luto, nestes tempos de pandemia (e não só)? Sugiro-vos um breve decálogo[1]:

i.            Olha para o teu ente querido, através de uma foto, de um filme. Expressa-lhe, com palavras, gestos e sentimentos de ternura, a tua gratidão. Dá graças pela sua vida, consumada na morte, transformada e ressuscitada agora pelo poder de Deus. O amor é o que fica de tudo o que passa. O amor não acaba nunca!

ii.            Se tens motivos, formula a tua prece de perdão, por alguma coisa em que possas ter falhado ou por alguma palavra, gesto ou omissão, em que possas ter ofendido aquele que partiu antes de ti. O amor tudo desculpa, tudo suporta!

iii.            Se sentes o peso de alguma culpa, retira da tua mente a parte irracional. Se tens motivos objetivos para sentir essa culpa, perdoa-te amavelmente, aceitando a tua fragilidade e acreditando que aquele que te ama, lá do Céu, envolto no amor de Deus, também te perdoará. O amor não guarda ressentimento!

iv.            Pede ajuda a alguém que te possa acompanhar no luto: um amigo, um confidente, um psicólogo, um confessor, um diretor espiritual. Não te queiras curar ou salvar sozinho, ou só pelas tuas próprias forças. O amor não é altivo nem orgulhoso!

v.            Apanha ar fresco e luz solar, faz exercício, mantém a rotina e o contacto regular com outras pessoas, recorrendo a uma chamada ou videochamada. Na internet busca, com critério, recursos que te ajudem a humanizar a tua situação. Mas faz algumas pausas na informação. O amor é prestável e criativo!

vi.            Cultiva a tua interioridade com reflexões e orações de agradecimento por tudo o que viveste com essa pessoa. Reza por ela e com ela. Pede que reze por ti e contigo. Intercede por essa pessoa, sobretudo na Eucaristia. O amor é amável!

vii.            Afasta da tua mente e ao teu redor pensamentos ou comentários que sejam só de lamentação. Abismo atrai abismo. Mas a beleza do amor atrai o belo amor!

viii.            Pensa que a distância física, que tanto te faz sofrer, longe dos teus familiares e amigos, é um sinal poderoso do teu amor ao próximo, do cuidado pela sua e pela tua vida. O amor não procura o próprio interesse!

ix.            Não cultives pensamentos macabros, catastróficos, mas, no silêncio orante, guarda palavras e imagens de confiança no amor de Deus, que é sempre maior do que o teu coração. O amor não é inconveniente.

x.            Cultiva pensamentos e sentimentos de agradecimento, também por aqueles que cuidaram do teu ente querido, ao longo da vida e até à morte. Reza agradecido por todos eles. E confia-os à graça de Deus.

 

       Lembra-te: “Quem ama já passou da morte para a Vida” (1 Jo 3,14)!



[1]Inspirado e adaptado de JOSÉ CARLOS BERMEJO, La esperanza en tempos de coronavírus, Ed. Sal Terrae, 2020, p. 87.

 


 

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