Homilia no XXIV Domingo Comum A 2020
1. Aqui está um indivíduo que tem uma dívida maior do que a de um país em bancarrota! Impressiona-nos muito a dívida brutal deste servo diante do seu rei. Dez mil talentos de dívida ultrapassam o maior jackpot de qualquer Euromilhões. Nem 250 mil anos de salários mínimos mensais saldariam esta dívida, que é da ordem das 300 t0neladas de ouro. Com este «exagero», a mensagem de Jesus na parábola é clara: diante de Deus, este servo, isto é, eu, tu, nós… somos todos devedores. Somos devedores, diante de Deus, de uma dívida que não estaremos nunca à altura de saldar. Só um grande perdão nos poderá salvar. Diante de Deus, somos todos insolventes!
2. Mas, pela graça de Deus, por um amor infinito, por um excesso de compaixão divina, esta nossa dívida foi totalmente saldada. Fomos resgatados por grande preço, pelo Sangue de Cristo (cf. 1 Cor 6,20). Por isso, conscientes do dom e do perdão incomensurável de Deus, não sejamos mesquinhos no dom e na oferta do perdão a quem nos ofende. O que temos a dar ou a perdoar aos outros, comparado com o que Deus nos perdoa a nós, não passa de um grão de areia diante de uma montanha.
3. Neste “Tempo da Criação”, que estamos a viver entre os dias 1 de setembro e 4 de outubro, é importante darmo-nos conta, por exemplo, de quanto Deus nos cobre literalmente de todos os seus dons maravilhosos, sem nos cobrar nada! Todos nascemos milionários nesta Casa comum. Somos devedores do Sol e da sombra, do ar puro que respiramos, da Lua e das estrelas que contemplamos, da neve e da neblina, das praias e do mar, dos rios e riachos, das chuvas, dos ventos, das marés. Era tão bom que nos sentíssemos devedores de tudo o que nos entra, em grande, pela porta dos nossos sentidos. Desde o mar, podemos olhar esta terra e contemplar o céu, tocar o corpo e sentir a alma, ouvir os contos populares e o canto dos pássaros e com eles louvar a Deus. Das águas frias do Atlântico podemos degustar o melhor peixe do mundo e saborear à melhor mesa como Deus é bom; podemos cheirar e exalar o suave perfume da maresia, das flores dos campos e sobretudo conhecer o cheiro das pessoas, cada uma única neste oceano de beleza.
4. Nós próprios não podemos esquecer que contraímos uma “dívida ecológica” para com as gerações futuras. Não temos o direito de esgotar todos os recursos da Terra. Entremos, pois, noutra lógica: “a do dom gratuito, que recebemos e comunicamos. Se a Terra nos é dada, não podemos pensar apenas a partir de um critério utilitarista de eficiência e produtividade, para lucro individual. Não estamos a falar de uma atitude opcional, mas de uma questão essencial de justiça, pois a terra que recebemos pertence também àqueles que hão de vir. «O ambiente situa-se na lógica da receção. É um empréstimo que cada geração recebe e deve transmitir à geração seguinte»” (LS 159). Esta consciência da dívida ecológica, aplicada aos que governam países mais desenvolvidos, levá-los-ia a perdoar, sem favores, a dívida dos países mais pobres. Tal não seria um ato de generosidade, mas de justiça, pois tratar-se-ia de saldar a dívida contraída, já que a riqueza de muitos países ricos vive da exploração de reservas naturais de muitas nações e pessoas pobres, exploradas miseravelmente (cf. LS 51; 52).
5. Irmãos e irmãs: devedores de tanto, devedores de tudo, diante deste Deus Criador e Senhor de todas as coisas, como corresponder ao excesso deste amor? Podemos dizê-lo assim: sejamos sóbrios a gastar, simples a usar, generosos a partilhar, excessivos a perdoar; cuidemos hoje a Terra do amanhã, como jardineiros apaixonados da Criação, amando e servindo a todos, “com todo o coração” (Mt 18,35)!