HOMILIA NO XXIII DOMINGO COMUM A 2020
“Todos família, todos irmãos”. Este é o lema que nos é proposto, na nossa Diocese do Porto, para o ano pastoral 2020-2021. E as leituras deste domingo, o primeiro de setembro, ajudam-nos a descobrir o outro como irmão e a viver em comunidade, como família de irmãos.
1. Por uma razão lógica, comecemos pela afirmação e desafio “todos irmãos” (Mt 23,8). Ouvimo-lo bem: «Se o teu irmão te ofender, vai ter com ele e repreende-o a sós. Se te escutar, terás ganho o teu irmão” (Mt 18,15). Na verdade, porque somos filhos de Deus pelo Batismo, tornamo-nos, em Cristo, todos irmãos.De alguma maneira, a cada um de nós cabe a missão de se tornar guarda e sentinela do seu irmão. Não seu vigia ou acusador. Mas seu guarda e cuidador! Neste sentido, a minha salvação dependerá do cuidado que tenho pela vida do meu irmão! Isto vem de longe, vem daquela pergunta originária de Deus a Caim, “Onde está o teu irmão?” ou “Que fizeste ao teu irmão?” (Gn 4, 9.10).
Por isso, neste tempo de pandemia, teremos sempre de nos preocupar ainda mais com a sorte dos irmãos! Não caiamos na tentação de ficar apenas e comodamente à distância de um clique do irmão, numa espécie de “individualismo conectado”, que nos torna pessoas ligadas, mas não em relação. “O Evangelho convida-nos sempre a abraçar o risco do encontro com o rosto do outro, com a sua presença física que interpela, com os seus sofrimentos e as suas reivindicações, com a sua alegria contagiosa permanecendo lado a lado” (EG 88).
Este é o primeiro apelo de setembro: sai de ti mesmo ao encontro do teu irmão. “Sair de si mesmo para se unir aos outros faz bem” (EG 87).
2.“Todos família”. Jesus sublinha com toda a clareza a importância da vida e da oração em comunidade: “Onde dois ou três se reúnem em meu nome, Eu estou no meio deles”(Mt 18,20). Assim, o lugar privilegiado do nosso encontro com o Senhor é a comunidade, unida e reunida em Seu nome. “A dimensão comunitária – disse o Papa Francisco –não é apenas uma moldura, um contorno, mas é parte integrante da vida cristã, do testemunho e da evangelização” (Audiência, 15.01.2014). É importante, por isso, ter a coragem de sair de casa, para viver a nossa fé em comunidade.
É um desafio particularmente exigente, nestes tempos de pandemia, em que somos tentados a evitar os outros, a viver e a confinar a nossa fé a uma piedade individual ou a uma experiência eletrónica, televisiva ou digital. É verdade que os meios digitais e as redes sociais permitem alargar as formas de presença, de participação e de relação entre os irmãos de uma mesma comunidade; mas também é verdade que há, em cada pessoa, a nostalgia de um olhar pessoal, de um contacto próximo, de uma presença de corpo e alma, que as experiências digitais não podem de todo satisfazer. O grande risco é preferirmos o sofá aos bancos da igreja, o espelho do aparelho à casa comum, seguindo a lei do menor esforço, numa opção determinada pelos baixos custos de ativação, isto é, pelo baixo índice de energia utilizada para aceder à celebração. É uma tentação perigosa para a fé católica, que é, por sua natureza, encarnada e comunitária. Perigosa, porque “quanto mais vivermos os relacionamentos virtuais, ligados a baixos custos de ativação, mais custoso será experimentar novamente os encontros presenciais” (cf. Luigino Bruni e Luca Stanca).
Por isso, o segundo apelo de setembro é este: volta a casa, regressa à grande família, à comunidade dos teus irmãos. Não deixes que te roubem a comunidade (cf. EG 92). Seja este o nosso propósito: Todos família. Todos irmãos.