Homilia no XII Domingo Comum A 2020
1. O medo é um sentimento humano dominador, contagiante e paralisador, sobretudo em tempos de pandemia, de tempestade e de mudança. Mesmo se… e quando… esta pandemia for superada, graças a uma vacina eficaz, ela deixará sempre em nós uma herança de insegurança, de desc0nfiança, de medo. Apesar de todos os esforços e empenhos para a redução dos riscos, sabemos que poderão aparecer e escapar do nosso controlo outros vírus ou outras forças capazes de nos apanhar de surpresa e pôr em crise as nossas tranquilidades e as nossas seguranças. Esta pandemia do medo tem hoje muitas caras, mais ou menos mascaradas: medo de que o inimigo invisível se hospede em nós sem nos darmos conta; medo do contágio inconsciente; medo da doença que pode ser mortal; medo da já clara e consequente crise social e económica; medo de um futuro sem programa, a médio ou a longo prazo; medo de perder a espontaneidade dos afetos e a alegria da convivência humana… medo do confinamento, dentro das quatro paredes de casa ou das linhas de fronteira. Ainda que o arco-íris nos descreva, por toda a parte, que tudo vai ficar bem, nós bem vemos que não.
2. Sejamos claros: na dose certa, o medo é necessário para a sobrevivência, porque nos dá o sentido da responsabilidade e da prudência, diante dos perigos. Mas, na dose certa, também precisamos de ser audazes, destemidos, corajosos, capazes de arriscar, de inovar, de mudar. A coragem não é a ausência de medo, mas o triunfo sobre ele. Por um lado, não devemos cair na inconsciência da irresponsabilidade pessoal pela vida, pela minha e pela dos outros. Mas, por outro, também não podemos entrar em pânico, ficando completamente dominados e paralisados pelos fantasmas do medo, morrendo da cura. Há um difícil equilíbrio entre o medo e a coragem, que se poderia resumir assim: “Tende temor, mas não tenhais medo”. Tais são as palavras que Jesus nos repete hoje, por três vezes, e que nos desafiam a vencer com confiança o medo da noite que atravessamos.
3. Tende temor. É importante este dom do Espírito Santo, exatamente porque nos dá o sentido da responsabilidade, diante de Deus, pela sorte da minha vida e da vida dos meus irmãos: somos todos responsáveis por todos. Todos respondemos pela vida de todos. Os meus atos ou omissões têm um efeito, têm consequências, que me ultrapassam a mim e muito, quer no espaço quer no tempo. Um gesto que realizo ou deixo de realizar hoje conta, e conta muito, para o bem comum ou para a desgraça de todos, agora ou amanhã. Temor significa também saber que, mesmo sem me dar conta, Deus deita contas à minha vida. Ele tem-me em boa conta, por isso, caminho na Sua presença, com responsabilidade e confiança, sem deixar que o medo me domine e paralise. Nem tudo o que acontece na minha vida é vontade de Deus, mas, em boa verdade, nada acontece sem que Deus o queira!
4. Por isso, não tenhais medo. Quando temos medo do inimigo (dentro de nós ou à nossa volta) tornamo-nos dependentes dele e o seu poder aumenta sobre nós. Precisamos de vencer o medo, crescendo na confiança em Deus, que é Providência, entregando-nos ao Seu Amor, a esse Amor com que Ele cuida de nós, a esse Amor que nos precede, nos envolve, nos guarda e nos acompanha, mesmo se algumas vezes os nossos olhos estão incapazes de O reconhecer. Confessemos a Deus os nossos medos, desmascarando os seus nomes, e “confiemos-Lhe as nossas preocupações, porque Ele tem cuidado de nós” (1 Pe 5,7).
5. Por fim, irmãos, a melhor maneira de vencer o medo é arriscar a vida pela vida, como a de tantos heróis dos dias de hoje, no campo da saúde, da segurança, da limpeza, dos serviços básicos! E, quando o medo nos assaltar, não deixemos de rezar: “Senhor, olha os meus medos e dá-me a coragem da fé”. E rezemos todos juntos, como há pouco, na oração coleta desta Missa: “Senhor, fazei-nos viver a cada instante, no temor e no amor do Vosso Santo nome, porque nunca a Vossa Providência abandona aqueles que formais solidamente no Vosso amor”. Ámen.