Homilia no V Domingo da Quaresma C 2019
1. Como peixe na água, assim estaria o velho profeta Jonas entre estes fariseus e escribas, no Monte das Oliveiras. Também ele é um ressentido e mal-humorado, que outrora se pôs à sombra de um rícino e a leste da cidade, desejoso de ver a sua destruição (cf. Jn 4,5). Também ele preferia aplicar a lei gravada na dura pedra, que tem escondida na sua mão, em vez de seguir a lei do amor, inscrita pelo “dedo de Deus” (Ex31,8; Dt 9,10) no próprio coração.
2. Mas Jesus é mais do que Jonas (Mt 12,41)! Vemo-l’O todo o tempo sentado como Mestre; inclina-Se apenas para escrever com o dedo na terra e levanta-Se para marcar a diferença do seu olhar. Para Ele, antes do pecado, vem o pecador. Para Ele, eu, tu, cada um de nós, vem em primeiro lugar; vem antes dos erros, das normas, dos juízos e das quedas. Curiosamente, do homem cúmplice do adultério, que teria, segundo a lei, igual castigo de apedrejamento até à morte (Lv 20,10; Dt 22,22), nem se fala. Talvez o seu nome faça parte da escrita de Jesus, porque “os que se afastam de Deus serão escritos no chão” (Jr 17,13). Mas como insistiam em interrogá-l’O, Jesus ergueu-Se e disse-lhes: “Quem não tiver pecados, atire a primeira pedra” (Jo 8,7). E eles foram saindo, um após outro, a começar pelos mais velhos. Por fim, ficam só Jesus e a mulher, “a mísera e a misericórdia” (Santo Agostinho), com esta ordem: “Vai e não voltes a pecar” (Jo 8,11), porque “a verdadeira queda, aquela que é capaz de arruinar a vida, é a de ficarmos no chão e de não nos deixarmos ajudar” (Christus vivit, n.º 120).
3. Fica muito claro o contraste entre Jesus e os profissionais da religião: “Onde está o Senhor, está a misericórdia e onde está a rigidez aí estão os seus ministros” (Santo Ambrósio). No coração dos escribas e dos fariseus, como outrora em Jonas, há aquela dureza que não deixa entrar nem entranhar a misericórdia de Deus. Os rígidos não compreendem o que é a misericórdia de Deus. Com o seu pequeno coração fechado, vivem apegados unicamente à justiça. Os rígidos esquecem-se que a justiça de Deus Se fez Carne em seu Filho; esquecem-se que Ele Se fez misericórdia, que Se fez perdão; esquecem-se que Deus manifesta todo o seu infinito poder precisamente quando usa de misericórdia e de perdão. Para Jonas, para os escribas e fariseus, para nós todos, acostumados à lógica do «fizeste… logo vais pagá-las», custa perceber que uma justiça sem perdão seria profundamente injusta. Onde não houver misericórdia, tão-pouco haverá justiça! Onde não houver ternura, tão-pouco haverá amor. E a verdade é que Jesus já pagou por todos nós e continua a pagaro preço da nossa passagem, para chegarmos ao porto da misericórdia e da paz.
4. Não fiquemos à sombra do rícino de Jonas, ressentidos por um castigo que não foi aplicado, por um perdão imerecido ou desmedido. Atravessemos esta segunda tábua de salvação depois do Batismo, que Deus nos oferece no sacramento da Reconciliação, e entremos, sem medo, no cais da ternura, para virarmos de bordo e encontrarmos o rumo certo, em direção à meta última da ressurreição!
5. Irmãos e irmãs: aproveitemos esta 5.ª semana da Quaresma para deitar todas as pedras ao chão! Não vá a nossa embarcação naufragar por excesso de peso, por causa de tantas pedras escondidas na mão, no sapato ou no coração. Deitemo-las todas ao chão. E, em vez de um dedo acusador, uma mão estendida. Em vez da rigidez da alma, a ternura do coração.Sejamos capazes de tocar e acariciar com ternura a carne sofredora de Cristo, nos irmãos (cf. EG 270) mais frágeis, mais sós, mais feridos: não lhes atires pedras. Oferece-lhes o perdão. És filho de Deus, faz-te irmão!