Homilia no VIII Domingo Comum C 2019
1. Pela boca morre o peixe. E também se podia dizer que pela boca morde o peixe. A palavra pronunciada tem em si o poder de dar vida ou morte, a si mesmo ou a outrem. “Morte e vida estão à mercê da língua” (Pr 18,21). É realmente perigoso falar de mais, porque a palavra realmente põe-nos a nu. Mesmo quando não queremos, a boca fala da abundância do coração (Lc 6,45), é como que a sua caixa de ressonância. Quando falamos, não são apenas palavras que pronunciamos; mas no que dizemos, dizemo-nos a nós próprios. Revelamo-nos a nós mesmos, no conteúdo, no som e no tom com que falamos aos outros, com os outros ou dos outros. Até quando falamos mal dos outros, acabamos mais por falar mal de nós mesmos, revelando, no cisco apontado ao outro, a trave atravessada no nosso olho, pois “os defeitos do homem aparecem nas suas palavras” (Sir 27,5-8).
2. Eis porque tudo isto nos recomenda a sabedoria de ouvir muito e falar pouco. A regra vale sobretudo para o discípulo de Jesus, que não é superior ao seu Mestre, mas deve ser como Ele. O discípulo não tem senão que ouvir, para dizer somente o que Jesus lhe disse. Neste sentido, a verdade da Palavra do discípulo não está na sua habilidade pessoal, na sua retórica, mas na sua retidão, na sua fidelidade ao Mestre. Por isso, o discípulo é aquele que sabe ouvir, aquele que permaneceum aprendiz humilde, o primeiro ouvinte da Palavra de Deus.
3. Em Ano Missionário, um dos aspetos da nossa conversão pastoral é começar o “ide e ensinai” pelo “ide e escutai”. Na verdade, uma Igreja em que somos “todos discípulos” – o Papa, os Bispos, os padres e os ministros da Palavra também o são – deve aprender a escutar a todos, com empatia, como Jesus fez no caminho de Emaús. Isto supõe a convicção de que, na missão, mais importante do que saber falar bem é aprender a escutar o outro. É preciso que cada um se torne um bom ouvinte, um guia solícito, interessado na escuta dos que têm histórias de vida para contar, a fim de os ajudar a desvendar os sinais da presença de Deus nas suas vidas (cf. EG 71). Não se deve minimizar o silêncio reverencial, diante da terra sagrada do outro (cf. Ex 3,5; cf. EG 169).Precisamos de aprender a dialogar com todos, convictos de que o Espírito Santo chega antes de nós e dispõe os outros para receber o Evangelho; o mesmo Espírito Santo capacita os outros, não só para ouvirem a Palavra, mas para nos dizerem essa Palavra através dos seus sonhos, sofrimentos, alegrias e esperanças. “Mesmo quando a vida de alguém tiver sido um desastre, mesmo que o vejamos destruído pelos vícios ou dependências, Deus está presente na sua vida” (GE 42). E fala através dela. Criar a confiança, para que uma pessoa possa dizer-se, mesmo nos aspetos que considera mais vergonhosos, inadmissíveis e condenáveis, e saber acolhê-la na sua humanidade, sem juízos nem condenações, é uma missão pastoral tão necessária e vital. Precisamos muito de valorizar o carisma da escuta, a pastoral do ouvido.
4. Claro está que este diálogo não nos pode inibir de propor o Evangelho, não nos deve fazer calar o desejo de partilhar a Boa Nova. Mas que a Palavra que temos a dizer seja fruto da Palavra de Deus guardada no nosso coração e até mesmo da Palavra de Deus que escutámos no mistério da vida do outro. Neste sentido, na missão, o anúncio fundamental brota da escuta e a verdadeira evangelização é sempre a voz do “coração que fala ao coração”: “O teu coração sabe que a vida não é a mesma coisa sem Cristo; pois bem, aquilo que descobriste, o que te ajuda a viver e te dá esperança, isso é o que deves comunicar aos outros” (EG 121).
5. Estamos à porta da Quaresma. Aproveitemos o tempo que aí vem, para entrar no peixe de Jonas, para fazer uma cura de silêncio e uma terapia da fala! Vai guiar-nos, por 40 dias, esse teimoso profeta Jonas, que tem uma história de poucas palavras. E mais não digo, porque “pela boca morre (ou morde) o peixe”!