Homilia no IV Domingo da Páscoa B 2018
1.“A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular” (Sl 117,22). A frase do Salmo 118 serve a Pedro para discernir o modo de ser, de agir e de reagir do nosso Deus: Ele escreve direito por linhas tortas, vence o mal com o bem, transforma a indignação pelo mal recebido em compaixão e desejo pelo nosso maior bem. Porque, de facto, “o amor não se irrita nem guarda ressentimento” (1 Cor 13,5), eu não me deixarei vencer pelo mal (cf. Rm 12,21), nem me cansarei de fazer o bem (cf. Gl 6,9). Não deixarei que o vírus do mal, que outros espetaram no meu coração como uma seta, se instale dentro de mim até gangrenar a alma. Quantas vezes devíamos pensar nisto: aquele mal que me fizeram para me atingir e destruir, só me fará mal se eu deixar; posso vivê-lo como oportunidade de melhoria, de crescimento, de santificação, de aperfeiçoamento do amor pelo outro. Esse é o exemplo que Deus nos dá, ao ressuscitar o Seu Filho Jesus: responde à violência do mal com a graça suprema de um bem maior. Quem guarda ressentimento é como quem guarda fruta podre no próprio saco! Acaba por apodrecer dentro de si e tornar-se uma pessoa amarga e agressiva. Pelo contrário, o amor faz da pedra rejeitada a pedra angular!
2. Mas hoje é Dia Mundial das Vocações e o Santo Padre, na sua Mensagem, recorda-nos três verbos fundamentais: escutar, discernir eviver. Podemos, de algum modo, encontrar eco destes três aspetos fundamentais da vocação, no Evangelho:
2.1. Escutar a Palavra: “As minhas ovelhas ouvirão a minha voz” (Jo 10,16). Aprender a escutaro Senhor, a escutar os outros, a escutar a própria realidade que nos interpela,é mais importante do que aprender a falar. Escutar é cada vez mais difícil, imersos como estamos numa sociedade barulhenta. Ora, “a chamada do Senhor não possui a evidência própria de uma das muitas coisas que podemos ouvir, ver ou tocar na nossa experiência diária. Deus vem de forma silenciosa e discreta, sem Se impor à nossa liberdade. Assim pode acontecer que a sua voz fique sufocada pelas muitas inquietações e solicitações que ocupam a nossa mente e o nosso coração” (Gaudete et exsultate, n.º 173). Por isso, somente quem está disposto a fazer silêncio, a escutar, é que está realmente disponível para acolher e responder ao chamamento de Deus!
2.2. Discernir a voz: não se trata apenas de escutar a Palavra ou ouvir o som das palavras, mas de discernir a voz: “As ovelhas conhecem o Pastor pela voz” (cf. Jo 10,3.4). Cada um de nós só pode descobrir a sua própria vocação através do discernimento espiritual, um processo pelo qual a pessoa, em diálogo com o Senhor e na escuta da voz do Espírito, chega a fazer as opções fundamentais, a começar pela escolha do seu estado da vida. “Todos, mas especialmente os jovens, estão sujeitos a um zapping constante. É possível navegar simultaneamente em dois ou três visores e interagir ao mesmo tempo em diferentes cenários virtuais. Sem discernimento, podemos transformar-nos em marionetes à mercê das tendências da ocasião” (Gaudete et exsultate, n.º 172). Precisamos, por isso, de conversar com alguém que nos ajude a discernir, perante novos sentimentos e acontecimentos, se é o vinho novo da vida bela que vem de Deus, ou uma novidade enganadora do espírito do mundo, que vem, como o mercenário, “para nos roubar, matar e destruir” (Jo 10,10)!
2.3. Viver: “O Bom Pastor dá a vida pelas suas ovelhas”. A alegria do Evangelho não nos toca, se hoje mesmo não abraçarmos o risco de uma escolha! A vocação é hoje! A missão cristã é para o momento presente! E cada um de nós é chamado para se tornar testemunha do Senhor, aqui e agora. O Senhor continua hoje a chamar para O seguir, cada um pelo seu caminho. Não temos de esperar que sejamos perfeitos para Lhe dizer «Eis-me aqui», nem assustar-nos com as nossas limitações e pecados, mas acolher a voz do Senhor, de coração aberto.
Maria Santíssima, a jovem menina da periferia que escutou, discerniu e viveu a Palavra de Deus, nos guarde e sempre nos acompanhe, no nosso caminho. Ámen.