Homilia no IV Domingo do Advento B 2017
1.Pobre de meios era a tenda que abrigava a velha arca da aliança! David não se sentia confortável com esta contradição: ele, bem instalado, em paz e sossego, no seu palácio real; e a arca de Deus “sem eira nem beira”. A tenda, morada itinerante, parecia-lhe desajustada à condição forte do Todo-Poderoso. E por isso, o rei, pastor e poeta, sonha uma casa para o Senhor. Mas Deus parece desconcertar David nos seus bons intentos. Parece mesmo preferir a condição peregrina da tenda à estrutura pesada do templo. Talvez a indicar a David que não há lugar que O prenda, não há espaço que O limite, não há para Ele morada permanente... Ou talvez, nesta recusa de Deus em Se deixar enclausurar dentro de quatro paredes, o Senhor queira sugerir a David que é um perigo aburguesar o sinal da sua presença e afastá-l’O do pó e da miséria dos mais pobres, de modo que o Templo se torne o lugar dos ricos, onde os pobres não têm assento.
2. Pobre de meios é a nossa comunidade cristã e deve alegrar-se por isso, porque há sempre um perigo, há sempre uma tentação nos momentos de prosperidade: é o perigo de que a comunidade cristã se possa aburguesar, a ponto de perder a sua dimensão mística e de se transformar numa organização cristã sem fermento profético. Muitas vezes lutamos por ter boas estruturas e infraestruturas, boas condições materiais, meios logísticos adequados para a missão. E realmente fazem falta. Mas o risco maior é pôr a esperança nesses meios. Porque quanto mais poderosa é a organização que criamos na Igreja e nas suas instituições, mais rapidamente ela se confundirá com uma ONG, sobretudo quando se perde de vista a proximidade nas relações humanas, o zelo apostólico, a ousadia no anúncio, a familiaridade na celebração, a simplicidade de vida, a atenção aos mais pobres. Corremos o risco de criar estruturas tão ricas, tão bem “acondicionadas” à classe média e alta, que os pobres chegam a sentir vergonha de entrar na Igreja. Essa não é uma Igreja pobre e para os pobres, mas uma Igreja rica e para os ricos, ou uma Igreja mais dos abonados do que dos abandonados.
3. Ora, “no coração de Deus, ocupam lugar preferencial os pobres, tanto que Ele mesmo «Se fez pobre» (2 Cor 8,9). Todo o caminho da nossa redenção está assinalado pelos pobres. Esta salvação veio até nós através do «sim» duma jovem humilde, de uma pequena povoação perdida na periferia de um grande império” (EG 197). Em Maria de Nazaré, Deus encontra a digna morada, que não O afastará dos pobres, seus eleitos, como é manifesto ao nascer no Presépio de Belém, entre animais.
4. Irmãos e irmãs: não nos faltam famílias pobres de meios, que precisamos de visitar e ajudar, de conhecer e acompanhar, de habitar e partilhar a sua sorte, para que elas nos enriqueçam. Enriquecem-nos, porque nelas Cristo Se faz próximo de nós. Enriquecem-nos, porque nos fazem perceber que uma boa casa não garante uma boa famíliae que a nossa casa rica, onde não falta nada, é muitas vezes uma casa vazia. Enriquecem-nos, porque nos ensinam a ser e a viver felizes, com muito menos. A partilha deste Advento com as famílias pobres é o barómetro da nossa fé e o termómetro deste Natal de 2017: se a nossa fé não chegar aos bolsos não é ainda genuína e eis que fará muito frio, no Presépio de Natal, lá em nossa casa.
5.Estamos mesmo em véspera(s) de Natal. Se ainda não o fizemos, tenhamos um gesto de partilha, de atenção, de proximidade, com quem mais precisa: uns precisarão de dar, de si ou do seu; outros precisarão de receber algo ou alguém. Não nos demoremos, “porque os pobres não podem esperar” (Dom António Francisco)! No Presépio está uma família, pobre de meios! E são os pobres os primeiros a lá chegar!